quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Reforma Universitária e o Projeto de Parque Tecnológico na UFRGS

A Reforma Universitária tem sido implementada nas universidades brasileiras com o intuito de precarizar a educação e desresponsabilizar o governo perante o ensino superior – seguindo normas de organismos internacionais como Banco Mundial e FMI. Dentro desta lógica, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os estudantes, servidores e docentes que representam a resistência diante das constantes tentativas de precarização e “venda” da Universidade aos setores privados têm, desde dezembro de 2009, lutado contra um projeto de Parque Tecnológico da UFRGS.

O Projeto de Parque Tecnológico foi apresentado aos membros do CONSUN (Conselho Universitário) em início de dezembro, de forma a ser aprovado o quanto antes. O que a reitoria não esperava era que, mesmo em época de pleno gozo das férias acadêmicas, os estudantes se mobilizariam diante de tanta falta de debate e de um projeto com tantos pontos falhos.

Após todos os meios legais para adiar o processo de votação terem sido usados, em 15 de janeiro de 2010 o projeto entrou como pauta para votação. Sem nenhum debate com a comunidade acadêmica nem esclarecimento dos diversos pontos polêmicos do projeto, os estudantes compareceram à reunião e conseguiram que o projeto não fosse votado devido à falta de quórum.

Na quarta feira, dia 3 de março, ocorreu no campus central uma aula pública sobre o Parque Tecnológico. Não, não era a reitoria querendo esclarecer a comunidade acadêmica e a sociedade acerca do projeto! Essa foi a forma que estudantes utilizaram para conversar e debater sobre suas dúvidas acerca deste projeto que entraria em votação dois dias mais tarde – ainda em período de férias!

Neste mesmo dia, a Via Campesina estava em Porto Alegre realizando um ato pela abertura da Jornada de Lutas do Dia da Mulher e, com o intuito de solidarizar-se com a pauta dos estudantes, marchou em direção ao campus. Porém, a reitoria mostrou sua cara: fechou diversos portões (espaço público??) e colocou policiais militares para vigiar, encarcerando os estudantes que ali estavam. Após muito empurra-empurra e agressões de estudantes, uma comissão foi recebida pelo Reitor Carlos Alexandre Neto, que declarou que não iria retirar a votação do Parque da pauta do CONSUN de sexta-feira. Diante desta situação, percebemos que deveríamos tomar atitudes mais drásticas, de forma a nos proteger dos diversos meios de repressão que poderiam ser tomados pela reitoria: decidimos acampar na universidade na noite de quinta-feira visando impedir a realização do CONSUN de sexta.

Dormiram na reitoria cerca de 80 estudantes, que não tiveram banheiro e água durante toda a noite. Na sexta pela manhã, os que se aproximavam do campus central da UFRGS viam uma enorme quantidade de policiais militares e, mais uma vez, portões fechados (novamente sem ordem judicial). A partir de então, cenas que não víamos desde a época da Ditadura Militar foram presenciadas na UFRGS. Os estudantes bloquearam as portas de acesso ao prédio onde seria realizado o CONSUN de forma a exigir, pelo menos, um debate ampliado com a comunidade acadêmica sobre este projeto. Foi então que a segurança universitária recebeu ordens de entrar no prédio e, batendo nos estudantes, tentou diversas vezes forçar a entrada.

Além de todos estes acontecimentos, cabe ressaltar a atitude dos estudantes do DCE (gestão da direita, composta por setores do PP e DEM, entre outros) que, assistindo a toda movimentação, riam dos estudantes que apanhavam, criminalizados. Percebendo que os estudantes não desistiriam tão facilmente, a reitoria resolveu abrir-se a negociações: a votação foi adiada por 30 dias e foram definidos 4 debates (de forma a contemplar os campi de Porto Alegre), para a discussão do projeto de parque tecnológico. Estes debates teriam mesas compostas por membros da reitoria e também da comissão formada neste dia.

Mais uma vez, descumprindo o acordo feito com os estudantes, a reitoria diminui o número de debates para 2 (campi do Vale e central) e colocou membros do DCE participando das mesas. Nas assembléias, vimos o debate sobre o Parque ser distorcido. Nossos principais pontos duvidosos com relação ao projeto apresentado aos membros do CONSUN foram “misteriosamente” excluídos na versão do projeto que a reitoria disponibilizou à comunidade pela página da universidade. Sem contar as diversas falas que nos ocultavam os verdadeiros objetivos desse parque.

Mas afinal, por que somos contra esse Parque Tecnológico? Poderia citar diversos motivos, mas me deterei em alguns:

1) Pesquisas voltadas ao mercado. Entendendo a Universidade enquanto um órgão público, os conhecimentos nela desenvolvidos devem ser voltados a atender as demandas sociais como saúde e educação. Com a implantação de empresas privadas (objetivo do Parque) na Universidade, as pesquisas voltar-se-iam unicamente para os interesses das empresas e do mercado (isso sem contar que não está definido no projeto se a patente vai para a Universidade ou para a empresa).

2) Falta de democracia. O Conselho Diretor do Parque Tecnológico não prevê a participação dos segmentos da Comunidade Universitária (professores, servidores e estudantes) na sua gestão. Ainda que conte com entidades representativas dos segmentos empresariais (FIERGS e SEBRAE), igualmente não participam do Conselho Diretor as entidades representativas de trabalhadores (sindicatos ou centrais sindicais). Exceto o representante das empresas incubadas na UFRGS-TEC, não há representação eleita para nenhum dos demais assentos no Conselho Diretor.

3) Acirramento entre os cursos. Como já é de hábito na UFRGS, os cursos que trazem mais verba à Universidade têm prioridade na compra de materiais e instalações, fazendo com que tenhamos pequenos “centros de excelência” e cursos, cada vez mais, precarizados.

Com as assembléias realizadas, o projeto do Parque entrou novamente como pauta do CONSUN. Dentro deste órgão, a democracia não tem vez: professores têm 70% dos votos, servidores e estudantes, 15% cada, isso sem falar nos votos dos diretores das unidades e dos pró-reitores. Com esta formação, mesmo com os 4 votos contrários e 2 abstenções (de representantes discentes e servidores) o mérito do projeto do Parque Tecnológico foi aprovado.

Hoje em dia, ainda teremos pela frente a aprovação do estatuto do Parque (também pelo CONSUN). E, por fora disso tudo, tramita na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Porto Alegre um processo contra as ações da reitoria no ato do dia 5 de março.

Ah... os debates sobre isso tudo? Continuam a não ocorrer...

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