Movimento estudantil


A UNIVERSIDADE, OS ESTUDANTES E OS MOVIMENTOS
SOCIAIS CONTESTADORES DA ORDEM CAPITALISTA

Na última década uma propaganda ideológica passou a ganhar força crescente no Brasil: a do desenvolvimento nacional. Fala-se muito em crescimento econômico, protagonismo do país no cenário mundial, segurança pública e distribuição de renda. Mas o quadro que é pintado, principalmente por via da grande mídia, nem de perto corresponde à realidade.

Desenvolvimento nacional ou aprofundamento de uma crise geral?
Há uma crise econômica mundial com graves consequências para a classe trabalhadora. No Brasil não é diferente. As grandes perdas e endividamentos contraídos pelos conglomerados financeiros na farra da desregulamentação neoliberal dos nossos tempos, tentam ser sanadas pelo Estado, que sai em socorro daqueles e, assim, aumenta a dívida pública. E enquanto o governo e as instituições financeiras apelam para o consumo desenfreado e endividador das famílias, concedendo fartos créditos, acumulam-se as perdas de direitos básicos, como a moradia, a saúde, o transporte público e a educação. Ou seja, os trabalhadores têm a tarefa de salvar uma economia em crise e como contrapartida se deparam com preços inflacionados de gêneros básicos de sobrevivência, filas em hospitais superlotados, escolas sucateadas e com seus profissionais mal pagos, meios de transporte caóticos e, ainda, uma especulação imobiliária intensa acompanhada de despejos nas principais cidades do país.
As elites econômicas, grandes beneficiárias do processo, acumulam e concentram capital por toda a parte, situação ainda mais evidente com a preparação para os megaeventos esportivos que o país sediará. Cabe lembrar o caso da Grécia, que a exemplo do que ocorre hoje com o Brasil, era apontada como o país que “fizera seu dever de casa” no momento em que sediava as Olimpíadas de 2004, para logo em seguida sucumbir numa catástrofe econômica devastadora, sendo considerada hoje o país em mais grave situação em toda a Europa, cujos efeitos os bancos centrais impõem à classe trabalhadora o pagamento.
Como se “constrói” um país nesses termos? Através da tentativa de concenso que baseia-se na utilização intensa da força policial e na apologética do “progresso” da nação acima de quaisquer possíveis obstáculos, sejam estes as greves de professores (resolvidas com gás lacrimogêneo e balas de borracha), ou a integridade da floresta amazônica e de seus povos (atropelados pelo Novo Código Florestal e pelas assombrosas hidrelétricas do Xingu, do Tapajós, etc.). Recentemente uma guerra tomou lugar em São José dos Campos-SP, quando os governos municipal e estadual, com a conivência do governo federal, uniram forças para desocupar violentamente a comunidade do Pinheirinho, então há oito anos instalada no terreno da massa falida de uma das empresas que pertencia a um grande especulador e criminoso financeiro, Naji Nahas. Durante o longo processo de amadurecimento da sua luta por moradia, o povo de Pinheirinho conquistou uma sólida organização coletiva - passando a incomodar os planos da indústria imobiliária associada a governos. O que não impediu o assalto violento e totalmente ilegal perpetrado pelas forças policiais em uma mega-operação de guerra realizada numa manhã de domingo cujos fatos foram ocultados pela grande mídia (esta, em tese, concessionária de um serviço público!). O governo do Partido dos Trabalhadores é o governo do recrudescimento da criminalização da pobreza e dos movimentos sociais!
Mas a tentativa de construção daquele consenso só é possível mediante ao enquadramento das forças de representação popular, sindical e estudantil que outrora, e apesar de inúmeras limitações, se enfrentavam com o projeto neoliberal da burguesia, que agora passam a defender.

Reorganização dos movimentos sociais
Enquanto aprofundam-se as contradições de uma sociedade em pleno processo de concentração brutal de capital, alardeado como uma nova e excepcional fase do desenvolvimento nacional, surgem também diversas formas de contestação e resistência aos seus efeitos, ainda que fragmentadas e em múltiplas expressões. A experiência da ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores, fazendo valer toda sua força nos meios sindical, estudantil e popular, destituindo destes o seu potencial de mobilização, faz com que os atuais “indignados” não encontrem mais a materialidade política que incorpore suas aspirações. Em outras palavras, a referência num projeto coletivo de esquerda, com instrumentos de luta historicamente construídos, esvaiu-se, chegando mesmo a dar lugar a tendências “anti-partidárias”.
No meio estudantil isso é bastante recorrente, e é possível notar um olhar negativo sobre a política como um todo – a própria palavra “política” tomou valor de algo  pejorativo. Esse reducionismo, que injustamente atrela num mesmo conceito tanto as vulgaridades da política parlamentar cotidiana quanto o esforço sério de militantes comprometidos com a superação daquela ordem, é mais um empecilho no caminho que deveria integrar o estudante ao movimento estudantil e este aos movimentos sociais, cujas lutas pipocam por todo o país. É um empecilho gerado na última década que pesa contra o necessário processo de reorganização da esquerda numa nova base verdadeiramente classista, como uma única forma de construção de um instrumento capaz de se opor à hegemonia do capital e sua ingerência sobre nossas vidas.

A privatização e a precarização da universidade na ordem neoliberal
Hoje as universidades públicas vivem uma situação de precarização crescente, reflexo do aprofundamento das políticas neoliberais formuladas pelos organismos financeiros internacionais e acatadas pelos últimos governos. O processo de privatização da educação, tocada hoje pelo do Partido dos Trabalhadores, que completa 10 anos no poder, agora passa a ganhar forma institucional com o Plano Nacional de Educação (PNE), grande sistematizador dos diversos projetos até então implementados pelo Governo e responsáveis diretos pelo sucateamento da educação.
Dentre esses projetos, o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) representa o carro chefe do governo. Nome grande, bonito, mas que camufla o que de fato ocorre na prática. O projeto se apropria de uma antiga bandeira de luta do Movimento Estudantil, que é a da expansão de vagas. Dito apenas dessa forma, parece não haver margem para divergências, pois também defendemos a expansão do acesso às universidades públicas (inclusive com vias à universalização do ensino superior!). Mas a proposta do tal projeto, concordante com as linhas gerais estipuladas pelo Banco Mundial, expande somente o número de vagas, sem nenhuma garantia de investimento em infraestrutura, contratação de professores e técnicos administrativos, etc. Isso tem transformado as universidades federais em verdadeiros escolões. Casos correntes na UFRJ o tem comprovado: relação professor-aluno de noventa para um, cursos “improvisados” e precários com aulas em locais diferentes por não terem um prédio próprio, containers e tendas servindo de salas de aulas, cursos atrasando em mais de um mês o seu início e suas atividades específicas por falta de estrutura (como no absurdo início de ano no campus da Praia Vermelha).
Outro ponto do projeto diz respeito a formação dos bacharelados interdisciplinares. Com duração de tês anos, os cursos passariam a ser uma mescla de cursos de uma mesma área (Ex.: História, Ciências Sociais, Filosofia), extinguindo-os. Após esses três anos, os estudantes passariam por outro funil pós-vestibular, para então conseguir especializar-se numa área específica. Para os que não conseguirem passar pelo funil, tais bacharelados genéicos concederiam diplomas rebaixados para rápida absorção no mercado, após três anos de débil formação acadêmica. Em algumas universidades do país isso já ocorre, e os professores, privados de autonomia, são obrigados a passar o conteúdo de suas disciplinas mediante apostílas pré-concebidas!
A “democratização do acesso à universidade” propagandeada pelos defensores do REUNI é um mito! O enchaço da universidade, cujo instrumento de acesso é o nada democrático SISU, passa longe de qualquer intenção governamental no investimento em assistência estudantil. A falta dela é a principal responsável pela evasão dos estudantes de baixa-renda. Convivemos com condições de alojamento precárias, falta de creches, bandejões capazes de suprir a demanda, bolsas, etc.
Acrescenta-se, ainda, que a verba repassada pelo REUNI condiciona-se à criação de novos cursos, cada vez mais específicos, quase técnicos, formando exclusivamente o discente para o mercado de trabalho e retirando o espaço da autonomia para a reflexão, para a formação humana e crítica. Ou seja, além de gerar sucateamento estrutural, o REUNI tem o claro objetivo de atrelar a universidade pública às exigências do mercado, retirando dela qualquer protagonismo no pensar e transformar a sociedade! Precisamos derrotar o REUNI!
Outro projeto do governo, também bastante relevante, é o PROUNI (Programa Universidade Para Todos), que incide nas universidades particulares ofertando bolsas para alunos de baixa renda. Trata-se na verdade de uma grande estratégia de transferência de verbas aos chamados “tubarões do ensino”, donos das universidades particulares. No governo FHC, o boom de privatizações gerou uma grande quantidade de faculdades particulares, tornando a oferta maior do que a procura e resultando em grandes perdas para os empresários devido às cadeiras ociosas. A saída brilhante do governo Lula foi isentá-los de impostos e completar as vagas com alunos que não teriam condições de pagar mensalidades. Assim, se mataria dois coelhos com uma cajadada só, “ajudando” os que não teriam condições de estudar, “mostrando serviço à sociedade”, e enriquecendo os grandes tubarões do ensino. O que não se fala é: a cada bolsa oferecida pelo PROUNI, TRÊS vagas poderiam ser criadas na Universidade Pública, com assistência estudantil completa! O programa tem por objetivo isentar o governo federal de aumentar seu comprometimento com a educação pública. O resultado disso só pode ser um nivelamento por baixo: não se investindo na universidade pública, o “compromisso” com a qualidade de ensino passa para mãos privadas, fazendo decair o nível geral, pois esses empresários sofrem cada vez menos a concorrência da instituição pública de qualidade.
Ao seu turno, a Lei de Inovação Tecnológica e os Parques Tecnológicos trazem a privatização maciça para dentro das Universidades. São as parcerias público-privadas, cujo maior exemplo vem da Petrobrás e sua obra faraônica dentro do campus do Fundão, ocupando espaço público, destruindo outras construções sem permissão, como no caso da Sede Campestre da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ. (somente após a destruição foi dado um posicionamento pela empresa, prometendo ressarcir a escola com alguma outra obra, a qual, dois anos após o episódio, não há qualquer índicio de concretizar-se). Muitos cursos estão se moldando pela diretriz da parceria público-privada, atrelando seus currículos e mesmo seus espaços laboratoriais, aos interesses imediatos de lucratividade das empresas privadas.
Com essas estratégias, a saída que muitos encontram, diretores de unidades, docentes e discentes, submete-se à própria lógica da privatização, da parceria público-privada, etc. Abrindo margem para a criação dos cursos pagos, tanto de extensão quanto de Pós-Graduação, e de Empresas Juniors, dentre outras soluções nada superadoras do quadro débil geral.

O que vem fazendo a UNE, nosso instrumento de luta no passado?
A União Nacional dos Estudantes durante muitas décadas foi o nosso principal instrumento de luta. Esteve nas ruas nas principais lutas ocorridas no país, como no embate à Ditadura, no movimento pelas Diretas Já, no impeachment do Presidente Collor, no combate às privatizações de FHC, etc. Por isso tudo reivindicamos somente a HISTÓRIA pregressa da UNE, por entendermos que ela hoje segue o caminho oposto e conflitante aos interesses e necessidades dos estudantes, por ter passado de mala e cuia para o lado do governo, por apoiá-lo em todas as suas políticas de ataque a educação e aos trabalhadores, tendo chegado ao cúmulo de ser COAUTORA dos projetos que privatizam e precarizam a nossa educação.
Nessa entidade, burocratizada através de um processo de mais de uma década, não há mais espaço para a defesa de um projeto contra-hegemônico dos estudantes comprometidos com uma sociedade igualitária e dispostos a criar seus próprios instrumentos de luta. Instrumentos orgânicos para onde possam convergir os elementos combativos e críticos, formados a partir do próprio processo de enfrentamento aos projetos do capital e seus representantes no movimento estudantil. Por isso tudo somos CONTRA a UNE e queremos REORGANIZAR o Movimento Estudantil em novas bases!

E o papel do Movimento Estudantil agora?
É papel fundamental dos estudantes não aceitar, não se acomodar e combater a situação atual, indagar-se permanentemente sobre o papel de uma Universidade Pública. Queremos que esta seja realmente PÚBLICA, GRATUITA e de QUALIDADE!
Mas só conseguiremos isso juntos e organizados. Para isso precisamos de um novo instrumento de luta a nível nacional – visto que os ataques tomam a mesma forma em todas as instituições de ensino superior do país – e que tenha a capacidade de unir as pautas específicas às mais gerais, entendendo que os problemas numa sala de aula, da falta de professor, da não existência de badejões, da negligência à assistência estudantil, estão diretamente ligados com a falta de verbas para Educação que, por sua vez, liga-se diretamente às políticas atuais do governo DILMA/PT. Somente com um instumento nacional faremos pressão suficiente para que os ataques recuem e para que possamos reverter toda a situação a nosso favor!
Esse instrumento deve estar presente no dia-a-dia dos estudantes, deve surgir das suas necessidades específicas e ser parte constituitiva de sua condição de estudante. Entendemos que esse não é o papel cumprido pela ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre, surgida de um amplo processo de enfrentamento à Reforma Universitária do governo Lula). Apresentando-se como resposta a falência da UNE, tal entidade situa-se num campo de enfrentamento meramente superestutural, de descolamento da base real onde de fato deve se dar os enfrentamentos. Não basta autoproclamar-se uma “alternativa de luta” se não se busca cumprir papel central no cotidiano estudantil, apontando e intervindo nas contradições enfrentadas pelos estudantes. Um novo instrumento, uma nova entidade, não pode ditar tarefas de alto a baixo, não pode ser apenas uma peça de propaganda, um adesivo de camisa ou uma bandeira para se balançar quando algo inrompe expontaneamente. Sua ruptura com o velho e seu comprometimento com o novo só pode se dar num marco real!
Precisamos do novo! O Movimento Quem Vem Com Tudo Não Cansa nasce justamente dessa constatação real, trabalhando na base dos estudantes, mostrando com suas teses que o problema de um curso é muitas vezes o mesmo que do outro, e que o problema de uma Universidade é o mesmo que o da outra. Assim seguimos adiante sem nos apoiar em fórmulas prontas e improdutivas que rebaixem a luta ao segundo plano, buscando colocar o governo em cheque, entendendo este como grande articulador das políticas de precarização da educação e grande articulador das políticas de criminalização dos movimentos sociais e da pobreza!

Só conseguiremos vitórias através da luta!
Junte-se a nós!
Saudações estudantis combativas do Movimento Quem Vem Com Tudo Não Cansa!

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