Por uma UFRJ autônoma, crítica e democrática!
As eleições pra Reitor e Vice Reitor estão se aproximando e nesse momento se abre um diálogo muito importante sobre a universidade, os rumos que vem tomando e seu futuro.
Nos últimos 4 anos, muitas foram as investidas contra a universidade pública e contra os direitos historicamente garantidos, tanto por alunxs, quanto por professores e funcionárixs. A universidade vem perdendo, cada dia mais, seu caráter público, gratuito e de qualidade, local onde se produz conhecimento para a sociedade.
A iniciativa privada vem dando as cartas dentro dos nossos campi, financiando pesquisas, bolsas, ocupando terrenos e orientando as decisões políticas. A EBSERH é um exemplo claro das investidas privatizantes que rodeiam a UFRJ. E a comunidade acadêmica deu exemplo de luta em unidade para garantir Educação e Saúde públicos e gratuitos.
Nesse sentido, esses setores, que vem juntos defendendo a Universidade pública, estão lançando um Manifesto relativo à esse processo de sucessão, uma posição política de luta, de resistência, especialmente no momento onde não se apresentam propostas de ruptura com essa lógica mercantilista!
Lançaremos esse Manifesto na próxima TERÇA-FEIRA, às 15h no Quinhentão (CCS). O Movimento Quem Vem Com Tudo Não Cansa chama toda a comunidade acadêmica para esse importante ato, de defesa do caráter irrestritamente público, gratuito e de qualidade.
MANIFESTO
Por uma UFRJ autônoma, crítica e democrática
A UFRJ é um precioso patrimônio público que materializa quase um século de produção de conhecimento e de lutas universitárias. De sua origem como escolas isoladas aglomeradas até a sua conformação como instituição estruturada pelo princípio da ‘unidade do diverso’ foram necessárias corajosas lutas, ousadia e extraordinária dedicação de seus estudantes, técnico-administrativos e professores para transformá-la na maior Universidade Pública Federal, referência e laboratório para importantes mudanças no modelo educacional superior brasileiro.
A fragmentação não foi o único obstáculo a sua constituição. O Estado sempre obstaculizou a real autonomia universitária. As diretrizes da contrarreforma de 1968 e da implementação da pós-graduação a partir de 1965, impostas de modo coercitivo, gestadas na ditadura, provocaram retrocessos na busca da unidade do diverso, em detrimento da organicidade da instituição.
Mesmo em um ambiente tão hostil, a UFRJ seguiu impetuosa em sua busca de autonomia, associada a original produção de conhecimento, a exemplo das lutas pela constituinte, enfrentando com seus movimentos representativos a ofensiva privatizante de Collor de Mello, a contrarreforma do Estado no período FHC, as tentativas de lhe retirar o direito de escolher seu Reitor e as mudanças previdenciárias no governo Lula, lutou em prol de carreiras docente e de técnico-administrativos que contemplassem as particularidades da vida acadêmica e impediu a contratualização com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Seus estudantes, organizados, compreenderam o sentido profundo da assistência estudantil para garantir a real democratização do acesso e da permanência dos estudantes na universidade, logrando lutas que pautaram de modo definitivo a questão. A despeito de toda a resistência, o Estado (e, na maioria das vezes, os governos) continua a tolher a liberdade acadêmica da universidade com seus processos de avaliação tecnocráticos, importados da gestão empresarial, orientados para o controle, o monitoramento e para a difusão de um ethos hostil à formação, à reflexão, à crítica e à criação que fundamentam a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. Da avaliação passa-se à fiscalização, monitoramento e ao controle do que é dado a pensar. Esses processos exigem desempenhos específicos que limitam a autonomia e a dirigem numa determinada direção. A universidade deve ser entendida como uma instituição complexa, dinâmica, diversa, auto-organizada por meio de seu autogoverno e de sua prerrogativa constitucional de autonormação. É na diversidade auto-organizada que a universidade se fortalece, resiste a ataques externos, se auto avalia, corrige os seus rumos objetivando cumprir suas elevadas funções sociais.
Todas essas lutas universitárias expressam um compromisso inarredável de sua comunidade com o porvir da universidade. De modo indissociável com a luta por sua autonomia, as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão foram orientadas, no cotidiano das faculdades e institutos e de seus grupos de pesquisa, pela efetivação de sua função social como instituição comprometida com os problemas lógicos e epistemológicos da ciência, da arte, da cultura e das tecnologias, com a formação cientificamente rigorosa de seus estudantes e com o diálogo verdadeiro com a educação pública, os movimentos sociais do campo e da cidade que, legitimamente, demandam espaços comuns de aprendizagem. Desse modo, a UFRJ vem contribuindo para a solução dos grandes problemas dos povos, como a energia, a educação, a saúde, a problemática socioambiental, as questões urbanas e agrárias, a economia, os desafios tecnológicos diversos, promovendo avanços no conhecimento em domínios estratégicos nas biociências, nas tecnologias, nas chamadas ciências duras, nas ciências humanas e sociais e, não menos importante, nas diversas linguagens, articulando cultura, arte e ciência.
Como uma instituição dedicada ao pensamento crítico, a UFRJ não pode deixar de problematizar as consequências das políticas educacional e de Ciência e Tecnologia (C&T) da ditadura, inclusive a violência contra sua comunidade, confirmadas, em sua extensão, pelas comissões da verdade. Igualmente, não pode deixar de problematizar a adesão de setores universitários (dentro e fora da instituição) a medidas governamentais heterônomas e que buscaram perpetuar o modelo imposto desde os sombrios tempos ditatoriais. É importante destacar que tal apoio prosseguiu em um contexto que já não possibilitava as contradições positivas da expansão da pós-graduação nos anos 1970-1980, como o desenvolvimento da ciência básica e de áreas tecnológicas em domínios estratégicos. De fato, nos anos de neoliberalismo, as mudanças na forma de inserção do país na economia-mundo, em prol de mercadorias de baixo conteúdo tecnológico, redefiniram, em profundidade, a política dos governos em relação à função da universidade pública brasileira. O torniquete dos editais indutores e a prioridade conferida à inovação tecnológica, a rigor, pouca inovação e muito serviço, provocaram mudanças que exigiram a adaptação de determinados grupos de pesquisa (ou de setores destes) à nova realidade. No modelo universidade-empresa a heteronomia adentrou ainda mais os laboratórios, as salas de aula, a escrita acadêmica, refuncionalizando a universidade no sentido de transformá-la em uma organização voltada para a prestação de serviços e para a formação rápida e superficial de força de trabalho para postos de trabalho de modesta complexidade.
O projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) pretendia adequar as universidades aos moldes do Processo de Bolonha/ Universidade Nova, mas as lutas em todo país impediram tal objetivo. O legado positivo resultante dessas lutas foi a renovação, ainda que insuficiente, do corpo docente e dos técnicos-administrativos, a ampliação e diversificação do perfil social de seus estudantes e a abertura de novas instituições de ensino superior públicas. O REUNI, entretanto, significou uma expansão sem infraestrutura e, a despeito da importância dos concursos, ampliou o número de matrículas sem que o quantitativo de pessoal atendesse às novas demandas. Este quadro se repetiu na política de assistência estudantil que, por não ser universal, obedeceu a lógica das políticas focalizadas de alívio à pobreza, situação agravada pelo reduzido orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Desde 2012 não há recursos novos para as universidades federais, situação que expressa a ausência de prioridade para a educação superior pública: o eixo da atual política é a educação profissional aligeirada, por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e de subsídios públicos (FIES, ProUni) para as instituições privadas, distintamente do princípio que compartilhamos de que as verbas públicas devem ser aplicadas exclusivamente nas instituições públicas.
Diante desse cenário, alguns setores internos, percebendo que a universidade mudou, apoiam medidas governamentais que supostamente objetivam “proteger” os grupos estabelecidos, seja criando obstáculos desprovidos de fundamentos acadêmicos para a progressão na carreira (desejando criar uma aristocracia acadêmica), como visto na greve magisterial de 2012 e na regulamentação da carreira em 2014, seja propondo uma internacionalização subalterna e neocolonial, seja cedendo pessoal e patrimônio a uma empresa de direito privado, como é o caso da EBSERH. Em nome de uma suposta meritocracia, defendem a desigualdade e os privilégios.
Discordamos dessa alternativa!
Em nome da importância da UFRJ para o povo brasileiro, a opção é buscar o fortalecimento institucional da UFRJ em seu conjunto, incorporando todas as áreas de conhecimento e perspectivas teóricas e epistemológicas. Não se trata de salvar uma pseudoexcelência, promovendo uma meritocracia que desconsidera o mérito e fomenta a crescente subordinação do ensino, da pesquisa e da extensão aos interesses particularistas do mercado no capitalismo dependente. Não é essa a história da UFRJ! Longe disso, a força da UFRJ sempre foi o seu compromisso com a ciência, a cultura e a arte, em estreita articulação com os problemas dos povos. Existe uma importante tradição de compromisso da instituição com os trabalhadores que podem fazer do conhecimento um ato de consciência, emancipação e liberação, em síntese, uma arma da crítica.
Declaramos nossa disposição de fazer do atual processo sucessório um momento de profundas redefinições demandadas pela sociedade e, em particular, pela comunidade da UFRJ. A primeira grande mudança é realizar um visceral balanço histórico para orientar mudanças capazes de instituir um novo ordenamento institucional para a UFRJ, no âmbito da autonomia universitária assegurada constitucionalmente. A realização de um Congresso Universitário, pactuado por estudantes, técnico-administrativos e docentes, objetivando um processo estatuinte, é um primeiro passo para transformar as relações de poder internas. Defendemos que as mudanças possibilitem o governo compartilhado da universidade. Sustentamos que a nova conformação institucional da universidade possa favorecer o protagonismo de todos estudantes, técnico-administrativos e professores da universidade. A UFRJ já é um patrimônio da nação, mas pode mais, revitalizando o seu projeto para que possa aflorar o seu extraordinário potencial! A autonormação e o autogoverno da universidade são imprescindíveis. Não é outro o significado do Artigo 207 da Constituição Federal que assegurou a autonomia universitária!
A complexidade da produção do conhecimento e dos processos de ensino e aprendizagem exigem mudanças institucionais e na forma de organização social do trabalho. Atividades que exigem alta especialização, como os setores financeiro, de pessoal, de licitação e compras, escritório técnico, bibliotecas, secretarias e coordenações de ensino, segurança, entre tantos outros, precisam ser valorizadas na forma de atividades , regulares, permanentes, profissionalizadas, garantindo a institucionalização das mesmas no âmbito das unidades e da UFRJ. Os profissionais qualificados e dedicados que exercem essas atividades devem ser apoiados de modo sistemático e institucional, inclusive quanto à valorização salarial, carreira e programas de qualificação.
Os colegiados político-acadêmicos, sejam de unidades, sejam os superiores, não podem prescindir da contribuição estudantil que, em nosso projeto, compõe efetivamente o governo compartilhado da instituição, convertendo os colegiados em espaços horizontalizados e de criativas experiências democráticas.
Em contrapelo com as medidas em curso para a educação pública, mais do que nunca os povos necessitam de universidades críticas, capazes de realizar processos de formação e de produzir conhecimento novo, rigoroso, livre da tutela de governos e de corporações para que os grandes desafios da humanidade possam ser enfrentados em melhores condições. O conhecimento sobre o futuro da educação pública não pode estar vinculado aos interesses das corporações que atuam seja no chamado serviço educacional, ou em qualquer outra área. As interações, convênios e contratos com entes governamentais e privados têm de estar em conformidade com a autonomia universitária (e, por conseguinte, com as normas constitucionais da esfera pública) e com a ética na produção do conhecimento. Não compete à universidade suprir a ausência de departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento das empresas e, nesse sentido, criticamos vigorosamente os termos da lei de inovação tecnológica que buscam redefinir a missão institucional em prol da universidade como apêndice do capital operacional. O financiamento é público. Não pode ser autogerado pela venda de serviços porque a universidade é pública, nem proveniente de corporações, e nem advindo de cobrança de taxas aos estudantes da graduação e da pós-graduação em decorrência da gratuidade constitucional.
Recusamos um processo eleitoral que se limite a promessas de “choque de gestão” como um requisito para o futuro da universidade, discurso que somente serve de invólucro aos interesses particularistas e antiuniversitários dos que sustentam um projeto referenciado na ideologia da meritocracia. Recusamos, igualmente, um processo de formação de chapa que se reduz ao mero loteamento dos cargos, como se acordos com dirigentes estabelecessem lealdades eleitorais de suas ditas bases. Recusamos um processo de formação do futuro governo da UFRJ comprometido com os governos e interesses partidários a eles associados, em detrimento da autonomia universitária. A universidade é uma instituição em que todos fazem um uso crítico da razão e, por isso, repudiamos tais práticas arcaicas de formação do que deveria ser o autogoverno da universidade.
Esse convite é um ato político-acadêmico em prol da autonomia constitucional. Não podemos tolerar essas políticas do governo federal, crescentemente hostis à universidade pública e autônoma. Os enormes cortes orçamentários, como os feitos recentemente pelo governo, as pressões para a contratualização com a EBSERH, a inserção dos programas de fomento à C&T no âmbito privado-mercantil, por meio da EMBRAPII e da hipertrofia das fundações privadas, a política de terceirização, o intento de contratação de docentes e técnicos por meio de organizações sociais (privadas, em contratos regidos pela CLT), a imposição do FUNPRESP, inviabilizando a aposentadoria integral dos novos servidores, exigirão uma administração que seja capaz de dialogar com independência com os distintos âmbitos governamentais, e que, para isso, deverá ter como método o princípio do trabalho coletivo, escutando, dialogando com todo seu corpo social, fortalecendo o ativo protagonismo de sua comunidade, articulando, ao mesmo tempo, diversas forças sociais em prol da defesa da universidade pública socialmente referenciada.
O presente Manifesto é, nesse sentido, um convite para que cada estudante, técnico-administrativo e professor se engaje nesse debate, participando, ativamente das plenárias agendadas para a construção do programa que a UFRJ e o país necessitam e assegurando outra perspectiva quanto a função social da universidade.
Para assinar este manifesto, envie uma mensagem para manifestoufrj@gmail.com com seu nome, função (docente, técnico e administrativo, estudante) e Unidade na UFRJ.
Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 2015