Para enfrentar a crise, organizar a juventude e consolidar o novo movimento estudantil!
“Sejamos realistas: exijamos o impossível!”
O Congresso Nacional de Estudantes, conseqüência de todo um processo de reorganização no movimento estudantil brasileiro, pode ser um momento ímpar para determinar o avanço de nossas lutas e a consolidação do novo movimento que desponta em todo o país. Após a retomada do movimento estudantil em 2007, que o recolocou no cenário político nacional através de lutas travadas em patamar muito superior às dos anos anteriores, o desafio colocado à nossa geração se apresenta de forma ainda mais contundente. As lutas travadas em todo o país contra a precarização e privatização da educação, em defesa da educação pública, gratuita, de qualidade e a serviço do proletariado, com todo o seu já verificado potencial, ainda esbarram em um conjunto de debilidades. Tais debilidades evidenciam a necessidade da consolidação de um movimento unificado nacionalmente e pautado pela independência e combatividade há muito abandonadas pela União Nacional dos Estudantes. O cenário de agravamento da crise capitalista mundial, com o conseqüente recrudescimento dos ataques aos direitos da classe trabalhadora e da juventude, coloca de maneira ainda mais urgente a necessidade de construção de respostas políticas à altura dos desafios que se avizinham. Para responder às tarefas que cabem à nossa geração do movimento estudantil, portanto, precisamos aceitar o desafio de construir o novo. É neste sentido que precisamos compreender o Congresso Nacional de Estudantes como o espaço para avançarmos na unificação de nossas lutas em torno de um programa e de um instrumento político que representem o novo movimento estudantil, capazes de fazer com que essas lutas atinjam todo o seu potencial. Neste sentido, com o objetivo de analisar a situação do movimento estudantil e apontar as perspectivas para seu avanço e consolidação, apresentamos nossas contribuições ao Congresso Nacional de Estudantes. À luta!
Conjuntura: a crise do capitalismo e as tarefas da esquerda
Para iniciarmos o debate sobre a situação do movimento estudantil, seus rumos e perspectivas, é fundamental que façamos uma reflexão sobre a conjuntura que nos envolve, o solo sobre o qual pisamos e desenvolvemos nossas ações. Precisamos entender o movimento como um reflexo desta conjuntura e, ao mesmo tempo, um instrumento para modificá-la.
Neste sentido, é fundamental a compreensão do momento por que passa o capitalismo no Brasil e a nível mundial. A crise econômica internacional, que teve seu início no centro da economia mundial - o império estadunidense - já atinge, em maior ou menor grau, o conjunto dos países do globo, inclusive o Brasil. Os primeiros reflexos da desestabilização da economia estadunidense, verificados no setor imobiliário, dentro de pouco tempo foram percebidos no conjunto da economia do país. Dados gerais mostram quedas no Produto Interno Bruto e o alarmante crescimento da taxa de desemprego e da inflação.
Sabemos que o capitalismo é um sistema que enfrenta crises cíclicas, inerentes à sua própria estrutura. Sabemos, igualmente, que encontra formas de superá-las, reestruturando-se e assumindo novas facetas que adiam sua falência definitiva, mesmo que sejam incapazes de superar suas contradições fundamentais. Os números da crise atual demonstram que ela atinge todas as esferas e setores da atividade produtiva e reprodutiva do sistema mundial, e que os ajustes estratégicos utilizados para deslocar as contradições causadoras das crises anteriores já não apresentam a mesma eficiência. Trata-se, portanto, de uma crise estrutural. Como já apontam muitas análises, mesmo dos economistas burgueses, estamos diante da maior crise capitalista desde 1929.
Neste cenário, a tentativa da burguesia, certamente, será de fazer com que os reflexos da crise recaiam, mais uma vez, sobre as costas dos trabalhadores e da juventude. Para evitar a queda ainda maior de suas taxas de lucro, empresários iniciam uma série de demissões e uma importante ofensiva sobre direitos historicamente conquistados pelas lutas dos trabalhadores. Os governos comprometidos com a burguesia, por sua parte, destinam cifras que já atingem a ordem dos trilhões de dólares para socorrer empresários e banqueiros, os responsáveis pela crise, e relegam a massa trabalhadora e explorada a níveis ainda mais altos de miséria e sofrimento.
No Brasil, os reflexos da crise já são inquestionáveis. Bem pouco tempo atrás, o que se ouvia do governo Lula/PT e da mídia burguesa era que a crise não atingiria o país, embalado que estava por uma onda de crescimento e desenvolvimento. Como sabemos, tal “crescimento” (para os ricos, às custas da exploração dos trabalhadores) se deu através da inserção do Brasil na economia capitalista mundial e da fiel aplicação do receituário neoliberal. O nível de comprometimento e dependência da economia brasileira em relação ao mercado capitalista internacional é, portanto, altíssimo. Agora, os dados desqualificam definitivamente o discurso do governo e da mídia burguesa e comprovam aquilo que uma análise comprometida com a realidade já apontava desde o início dos abalos na economia estadunidense: a crise atinge o Brasil e os mais afetados são os trabalhadores e a juventude.
Dados recentes divulgados pelo IBGE revelam que o PIB brasileiro caiu 3,6% no último trimestre de 2008, a pior queda já registrada pelo Instituto. A projeção de crescimento para o país, em caso de estabilidade da economia, era de 7% no ano. O Brasil está, agora, entre os países mais afetados pela crise. Além da alarmante queda do PIB, os dados divulgados em março pelo IBGE revelam uma queda de 7,4% na produção industrial e de 2% no consumo das famílias. O investimento em maquinaria e equipamentos, que crescia a 8,4%, diminuiu 9,8%.
Como dissemos anteriormente, a resposta da burguesia é aprofundar os ataques aos trabalhadores e juventude, para fazer com que os efeitos da crise recaiam sobre suas costas - e isso se observa claramente no Brasil. Também nesta situação, os dados são irrefutáveis. Desde o ano passado, os números revelam mais de 1 milhão de demissões e o fechamento de mais de 700 mil postos de trabalho. O governo Lula, como os demais governos burgueses em todo o mundo, anuncia pacotes e medidas de socorro aos empresários e banqueiros: já são R$300 bilhões para empresas, R$160 bilhões para bancos e R$8 bilhões para montadoras de automóveis. Complementarmente, o BNDES já anunciou R$130 bilhões para grandes empresas.
A necessária resposta política para a crise
Está clara a necessidade de organização dos trabalhadores e da juventude para enfrentar à altura a crise do capitalismo. Os ataques já são aprofundados e as projeções para o próximo período só apontam para o agravamento da situação. Portanto, é essencial que façamos aqui uma profunda reflexão sobre a necessária construção da resposta política da juventude e da classe trabalhadora brasileiras à crise. Para tanto, precisamos identificar contra quem lutamos, de quem partirão os ataques, e quem são os aliados para a urgente construção de um programa classista para enfrentar a crise.
Já identificamos aqui que a crise atual não é uma exceção, um acaso, e sim, pelo contrário, uma conseqüência do modo de produção capitalista, que alterna ciclos de expansão e auge com períodos de crise e depressão, interligados por um mesmo processo. Portanto, são os empresários e banqueiros, com a busca pela acumulação de capital e o aumento de suas taxas de lucro nos períodos de crescimento do capitalismo, que beneficia apenas a eles próprios, os responsáveis pela crise que vivemos atualmente. Já identificamos, também, que o papel cumprido por esses empresários e banqueiros é o de aprofundar a exploração e os ataques sobre os trabalhadores, para fazerem pagá-los por sua crise e tentar contornar a queda em suas taxas de lucro. Nossa resposta política deve, então, se voltar contra a burguesia e seus ataques, fazendo com que eles próprios paguem a conta de sua crise.
Complementarmente, precisamos aqui nos deter à identificação do papel que cumprem os representantes políticos da burguesia e seus interesses de classe. Como dissemos, o papel que cumprem os governos burgueses é o de reforçar a lógica que faz com que os trabalhadores paguem pela crise. Neste sentido, atacam direitos e garantias sociais dos trabalhadores, destinando o dinheiro público para socorrer e garantir lucros da burguesia. Exatamente o que Lula vem fazendo no Brasil. Não basta, portanto, identificarmos como inimigos e lutarmos contra apenas uma parcela daqueles que nos atacam - empresários e banqueiros – e ignorarmos seu braço político, tão ou mais responsável pelas mazelas que nos afetam.
Precisamos, portanto, para elaborar uma resposta política conseqüente à crise, nos dedicar aqui a uma análise cuidadosa do governo Lula/PT, que leve em conta as suas especificidades, as razões que determinaram sua ascensão e o lugar que ocupa hoje para a reprodução do capitalismo no Brasil. Já ao final da década de 1990, o neoliberalismo começa a apresentar sinais de esgotamento, com significativas quedas na taxa de lucro da burguesia. O capitalismo, no entanto, não encontra nenhuma outra faceta para substituir o neoliberalismo e a saída para fazer frente às quedas da taxa de lucro é justamente aprofundá-lo. Para aplicação desta política genocida, figuras emblemáticas das lutas contra as ditaduras e referências para a esquerda ascendem ao poder.
É neste cenário que Luis Inácio Lula da Silva é eleito presidente do Brasil. Como sabemos, a implantação inicial deste projeto no Brasil coube especialmente aos governos Collor e FHC. No momento em que o próprio neoliberalismo começa a apresentar sinais de desgaste, como já apontamos anteriormente, cabe a um líder operário o aprofundamento e institucionalização do projeto neoliberal brasileiro. Assim, o sujo papel de algoz da classe trabalhadora cabe a um líder sindical carismático que, por isto mesmo consegue, de forma mais eficiente do que qualquer representante clássico da burguesia, implantar as reformas necessárias à sobrevida do capital com menor pressão, enganando parte da classe trabalhadora e desmobilizando temporariamente o país.
Lula, portanto, é um representante dos interesses do grande capital no Brasil, o que se confirma pela composição de seu governo e pelos profundos ataques e reformas neoliberais implementados ao longo de seus dois mandatos. Verifica-se, assim, uma indissociabilidade entre empresários, banqueiros e governo Lula, como a tríade responsável por garantir os interesses de classe da burguesia e aumentar a miséria dos setores historicamente explorados e oprimidos.
Como vimos, o governo Lula/PT é mais eficaz para a implementação do neoliberalismo que os governos tradicionais da burguesia, justamente por estar identificado do ponto de vista ideológico com a classe trabalhadora brasileira e conseguir evitar que as contradições que se acirram no campo econômico, com o aumento da exploração, se reflitam no cenário político. A grande especificidade do governo Lula, seu grande diferencial, é, portanto, sua identificação ideológica com o proletariado e, complementarmente, a sustentação que possui nos movimentos sociais. O governo atual, diferente dos clássicos representantes da burguesia, conta com bases de apoio incrustadas entre a classe trabalhadora e juventude, que legitimam e implementam suas políticas neoliberais, impedindo que as mobilizações se choquem com o governo. É o caso que se manifesta em diversos sindicatos, associações e entidades estudantis, e de forma mais escancarada em entidades nacionais como a Central Única dos Trabalhadores e a União Nacional dos Estudantes.
E a que assistimos, lamentavelmente, na formulação da resposta política da esquerda para a crise? Mais uma vez, a incorreta opção pelo estabelecimento de unidades rebaixadas, que em nada contribuem para o avanço da consciência e da luta dos trabalhadores e da juventude. Mais uma vez, observamos PSTU e PSOL optando por construir atos de propaganda em unidade com PT, PCdoB, CUT e UNE, poupando o governo e atacando em abstrato “os ricos”. E quem é o grande representante político dos interesses dos ricos, senão o governo Lula? Identificado o grande diferencial do governo Lula, estamos certos de que o nível de avanço da consciência e a possibilidade de arrancar vitórias concretas para a classe trabalhadora e a juventude passa, necessariamente, por lutar contra os ataques de Lula e seus braços no movimento social, construindo uma pauta política que onere e derrote os empresários, os banqueiros e o governo e avance na construção de alternativas independentes e de luta para o movimento social.
Na educação, ataques cada vez maiores
Especificamente no campo da educação, já o primeiro mandato de Lula/PT é recheado de ataques. O início da implementação da Reforma Universitária de maneira fatiada, através de medidas provisórias e decretos, já apontava para uma clara ofensiva no sentido de institucionalizar o trabalho de FHC: desmontar o ensino superior público, através dos sucessivos cortes de verbas, e abrir espaço cada vez maior para a iniciativa privada, inclusive com transferência de verbas públicas.
No segundo mandato de Lula, a intensificação dos ataques ao sistema educacional em benefício aos interesses do mercado e dos grandes tubarões de ensino privado se manifestou através do decreto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Instituições de Ensino Superior (REUNI) de Lula/PT nas universidades federais. A mesma lógica de ataques se fez também presente nos decretos do governo Serra, para as estaduais paulistas, e dos aumentos de mensalidades, demissões de professores e precarização das condições de ensino nas universidades particulares.
Agora, diante da crise do capitalismo, a perspectiva é que tais ataques se aprofundem ainda mais. Seguindo a lógica que expusemos acima, de onerar trabalhadores e juventude em benefício do grande capital, o governo Lula/PT já cortou R$2 bilhões do orçamento para a educação em 2009, agravando o já crônico problema da falta de verbas. Certamente, este corte irá se refletir no agravamento dos problemas estruturais nas escolas e universidades (como conservação dos espaços físicos, falta de laboratórios, bibliotecas) e na redução da já extremamente débil política de assistência estudantil (corte no valor e número de bolsas, menos verba para bandejões, moradias estudantis, transporte, etc.), o que praticamente inviabiliza a permanência dos estudantes na universidade. Em contrapartida, já há verbas públicas, do BNDES, destinadas a socorrer da crise os grandes empresários da educação, os tubarões do ensino privado – setor no qual as mensalidades não param de subir, onerando ainda mais os estudantes.
Talvez um dos mais recentes e contundentes reflexos da crise para os estudantes seja a tentativa de restrição do direito à meia-entrada, um claro mecanismo para garantir os lucros dos empresários do setor cultural. O projeto de lei que já foi aprovado no Senado e agora tramita em caráter de urgência na Câmara impõe uma redução da meia-entrada a 40% dos ingressos para qualquer evento cultural, atingindo diretamente um direito histórico dos estudantes. Como já era de se esperar, o ataque dos empresários, apoiado pelo governo Lula, é complementado por um ataque da União Nacional dos Estudantes. Justamente pelo seu comprometimento com o governo representante da burguesia e, conseqüentemente, pelo seu comprometimento com a própria burguesia, a UNE tenta conciliar com os empresários e “negociar” a restrição da meia-entrada, propondo que o direito seja regulado através da emissão de carteirinhas apenas pela própria entidade, ou seja, a volta do monopólio das carteirinhas pela UNE.
A UNE oferece a volta do monopólio como uma saída para não onerar os empresários, que têm lucros altíssimos com a venda de ingressos a preços abusivos e reclamam se uma suposta “farra” da meia-entrada, que seria contida pela entidade. Ao mesmo tempo, a UNE garante, com a volta do monopólio, sua fábrica de dinheiro. Assim, quem paga o pato, bem na lógica do capital, são os estudantes, que conquistaram o direito de apresentar qualquer documento para garantir sua meia-entrada e seriam obrigados a voltar a pagar o alto preço das carteirinhas da UNE para ter seu direito garantido. A luta em defesa da meia-entrada é um excelente exemplo de que hoje, necessariamente, as mobilizações contra os reflexos da crise atingindo trabalhadores e estudantes se choca com as entidades tradicionais do movimento, que estão comprometidas com os interesses daqueles que nos atacam. É justamente para construir uma resposta que leve nossas lutas às suas últimas conseqüências que precisamos construir o novo movimento estudantil. A luta em defesa da educação e dos nossos direitos se dá não apenas por fora, mas contra a UNE, e precisa estar colada com a construção de uma alternativa independente!
E o movimento estudantil?
É por isso que o Congresso Nacional de Estudantes, como iniciativa política de construção e consolidação no novo movimento estudantil, precisa se construir junto às lutas, como a que ocorre em defesa da meia-entrada e tantas outras. Apenas o novo movimento, não comprometido com os interesses do capital e do governo, pode dar conseqüência às nossas lutas. Para pensarmos na construção deste novo movimento, sua relação com o CNE e nossas expectativas, precisamos compreender o processo de reorganização pelo qual passamos.
O movimento estudantil brasileiro, assim como o conjunto da esquerda do país, entra em uma nova fase após a ascensão de Lula/PT ao governo federal. Diferente dos anos anteriores, quando estava minimamente unificada na resistência ao neoliberalismo, a partir de 2003 a esquerda entra em um período de perda de referências e de necessidade de reorganização, diante da falência do projeto hegemônico petista ancorado na perspectiva da eleição de Lula. Com a passagem definitiva de Lula, PT e seus aliados para a direita, se tornando responsáveis pela implementação dos ataques da política neoliberal, a esquerda se vê diante de um momento em que o velho não serve mais e o novo ainda não existe. Coloca-se, aí, sua tarefa: derrotar o velho movimento e construir o novo a partir de uma perspectiva independente e classista.
O início da implementação da Reforma Universitária pega o movimento ainda desarticulado. De um lado, a União Nacional dos Estudantes como fiel defensora de toda a política neoliberal do governo, atuando para legitimar a destruição da universidade pública junto aos estudantes. De outro, a então “esquerda do PT”, com sua linha de “disputa do governo”, permanecia imobilizada e atuando como linha auxiliar do governo, esperando uma “outra Reforma Universitária” e assistindo de camarote o desmonte da educação superior, já que não tinha a independência necessária para combatê-lo.
Como expressão da necessidade de construção do novo, surge a Conlute em 2004. Naquele momento, é dado o pontapé inicial na luta contra a Reforma Universitária e a nova ferramenta serve para aglutinar os setores combativos do movimento estudantil, dispostos a derrotar o governo e suas políticas neoliberais. A Conlute consegue avançar, consolidando-se no dia-a-dia das lutas, realizando uma série de atividades e efetivamente organizando o movimento para o embate com o governo e a UNE, compreendendo a necessidade de derrotá-la por ser o principal elemento de conferência de legitimidade à política neoliberal de Lula/PT. O entendimento de que a luta não devia ser apenas por fora, mas também contra a UNE ganhava espaço, dada a identificação da entidade como grande diferencial do governo Lula e elemento central de garantia da aplicação de suas políticas neoliberais.
Porém, a atuação ainda incipiente da Conlute - porque nova e fruto de um processo de reorganização ainda em desenvolvimento - aos poucos se direciona ao marco superestrutural, apenas propagandístico, e diminui a força outrora crescente no cenário nacional. A política do setor majoritário na Coordenação, o PSTU, é de esvaziá-la enquanto alternativa concreta em favor da construção de fóruns conjuntos com a “esquerda do PT” e o nascente PSOL, com o falido “Movimento Vamos Barrar Essa Reforma” - que, diante da total falta de acordo na política entre os setores que o compunham, nada fez de concreto para organizar a luta em defesa da educação.
No final de 2006, surge a Frente Nacional de Luta Contra a Reforma Universitária, amplamente festejada pelos seus setores majoritários, PSTU e PSOL, como a “reconstrução da unidade no movimento estudantil”. Obviamente, a unidade contra as políticas neoliberais de Lula/PT, entre todos aqueles que queiram combatê-las, é fundamental para avançarmos nas lutas. Nesse sentido, a Frente de Luta cumpriu um importante papel. No entanto, devemos fazer uma reflexão que dê conta de avaliar o conjunto das tarefas colocadas para o movimento estudantil brasileiro.
Ao identificarmos a necessidade de construção de uma alternativa de luta capaz de derrotar a UNE e reunificar o movimento estudantil combativo por um viés classista, as limitações da Frente são facilmente constatadas. Se o instrumento é importante por conseguir organizar as lutas em seu nível imediato, precisamos, em contrapartida, ter a clareza de que é incapaz de levá-la às suas últimas conseqüências e, assim, responder às tarefas colocadas para o movimento estudantil.
Isso porque a questão da reorganização não é apenas superestrutural, não é um adendo, não é uma questão externa e diferente das lutas que travamos no dia-a-dia. Pelo contrário: dada a especificidade do governo Lula/PT (sua penetração no movimento estudantil, que o permite atacar a juventude com a legitimação e sustentação de parte da categoria), este debate interfere diretamente na nossa capacidade ou não de alcançar vitórias nas nossas lutas imediatas. Aí está a questão: a criação de uma alternativa para o movimento estudantil está diretamente relacionada às nossas lutas diárias e, por isso, deve determinar o CONTEÚDO de tais lutas, e não ser tratada como uma questão à parte, que pode ser abandonada quando for conveniente ou deixada “para depois”. Da nossa conseqüência com este debate, insistimos, depende o nosso sucesso nas lutas concretas e diárias contra o governo e suas políticas.
Neste cenário, a Frente de Luta representava a óbvia explicitação da impossibilidade de se tocar qualquer luta por dentro da UNE e da necessidade de construção de novos instrumentos para organizar nacionalmente a luta do movimento estudantil. Por outro, um reflexo recuado, do ponto de vista político, de toda potencialidade desse processo. Justamente por basear-se em unidade artificial, que não corresponde a um entendimento comum das tarefas e necessidades do movimento estudantil, a Frente se sustentou por um período extremamente limitado e atualmente está completamente dissolvida
A retomada do ME e nossos desafios
O ano de 2007 foi, sem dúvida, um marco para o movimento estudantil brasileiro. A retomada das lutas em patamar significativamente superior aos últimos anos, que recolocou o ME na cena política nacional, exige da esquerda um profundo e responsável balanço. Para além do super dimensionamento e da agitação esvaziada, que exalta vitórias a qualquer custo, devemos refletir sobre os avanços e limites do processo de lutas pelo qual passamos, para que tenhamos condições concretas de identificar nossas debilidades e avançar em sua superação.
O Movimento Estudantil, mais avançado em seu processo de reorganização e menos imobilizado do que nos primeiros anos do governo Lula/PT, conseguiu construir uma aguerrida resposta aos ataques dos governos Lula, Serra e da iniciativa privada, que o recolocaram no cenário político nacional e alavancaram as lutas a um patamar superior às travadas nos últimos anos. Exemplos disso foram as passeatas, greves e, principalmente, as ocupações de Reitoria que se espalharam por todo o país.
No entanto, tais manifestações, que tiveram o mérito de fortalecer enormemente o movimento estudantil, ainda foram, em grande parte, insuficientes para garantir vitórias concretas e barrar os ataques à educação. O Reuni, grande expoente de todo o processo, foi aprovado em grande parte das universidades federais. É claro que não fomos definitivamente derrotados, que a luta contra o Reuni e as políticas do governo continuará e, inclusive, será muito fortalecida pelas mobilizações de 2007. Mas a compreensão de que o movimento ainda foi débil para garantir vitórias concretas é fundamental para que possamos fortalecê-lo.
A principal dificuldade enfrentada pelo movimento estudantil neste processo de lutas, que o impediu de atingir todas as suas potencialidades e alcançar vitórias concretas, foi, sem dúvida, a incapacidade de se conferir um caráter nacional às lutas. Por mais que tivéssemos, no auge do processo, diversas reitorias de universidades ocupadas simultaneamente, a luta ainda permanecia restrita às universidades, e não se unificou como uma única e mesma luta contra o governo. É daí que se depreende, claramente, a importância da construção de uma nova entidade para avançarmos concretamente em nossas lutas.
Nova entidade: as tarefas da juventude diante da crise
Mas como se dará a construção de uma nova entidade? Diversos setores do movimento têm argumentado, corretamente, que este não pode ser um processo artificial, superestrutural, que apenas crie uma nova direção para o movimento. Uma entidade surgida nesses marcos, sem dúvida, não seria capaz de reorganizar pela base o movimento estudantil.
Mas é justamente aí que o movimento estudantil entra no “círculo vicioso” que o mantém preso às suas próprias debilidades. Se nós temos clareza de que uma nova entidade não pode ser construída artificialmente e, igualmente, percebemos a grande necessidade de construí-la para obtermos vitórias em nossas lutas concretas, é nossa tarefa ir para o dia-a-dia das lutas, discutir com cada DCE, cada executiva de curso, ir a cada centro acadêmico, cada sala de aula, travar este debate com os estudantes, relacionando a necessidade da nova entidade com a concreticidade das mobilizações que construímos, como é o exemplo da atual luta em defesa da meia-entrada.
No entanto, observamos por muito tempo este debate sendo relegado a um segundo plano pela corrente majoritária da Conlute, abandonado, tratado como algo externo à realidade das lutas e prejudicial à “unidade” da Frente de Luta. Esse equívoco, sem dúvida, significou um atraso muito grande para o necessário processo de construção a longo prazo de uma nova entidade, colado com as lutas. Afinal, se o processo não se unifica às nossas lutas concretas, ele nunca deixa de ser artificial. E, como ainda é artificial, o movimento não pode decidir por dedicar-se à construção de uma nova entidade, porque não queremos que ela seja superestrutural. Está fechado o círculo, e o movimento fica preso às suas limitações.
Para que o círculo seja rompido e o movimento estudantil possa avançar, é necessário compreendermos a construção de uma nova entidade e as lutas de base como um único e mesmo processo. É justamente por isso que não podemos abandonar o debate da reorganização para construir “unidades” artificiais, em marcos rebaixados, que ignoram uma necessidade real do movimento estudantil e deixam a importante tarefa política da reconstrução de um movimento unificado nacionalmente “para depois”, um futuro abstrato e distante e, assim, impedem que as próprias lutas que estariam supostamente sendo “garantidas” e “privilegiadas” alcancem seus objetivos.
Defendemos, portanto, a construção de uma nova entidade pela base. Para isso, precisamos assumir essa tarefa e, mais do que isso, a responsabilidade de imprimir ao dia-a-dia de nossa militância o conteúdo político da construção desta nova entidade. Apenas assim ela surgirá do calor das lutas e não será artificial. O Congresso Nacional de Estudantes, como expressão de todo o processo de reorganização do movimento estudantil, precisa refletir as lutas que travamos, unificar um programa para enfrentar a crise, defender a educação e, ao mesmo tempo, criar um instrumento capaz de unificar organizativa e politicamente este programa.
Por isso, esse momento que antecede o Congresso, a própria tirada de delegados em todo o país, precisa refletir esta política. Precisamos de um Congresso com amplo processo de construção pela base, para reunir e representar uma grande parcela do corpo discente de nosso país e criar as condições para que este seja o marco conjuntural e o espaço de criação de uma nova entidade nacional, que esteja efetivamente presente no dia-a-dia das lutas e reunificando o movimento por um viés classista.
É nossa tarefa, portanto, sermos conseqüentes com o debate da reorganização e da construção de uma nova alternativa para o ME desde já, assumindo o compromisso político de construir esse debate pela base. É importante que nos entendamos enquanto vanguarda de um processo em curso e se não temos os estudantes convencidos de que é preciso construir um novo Movimento Estudantil, através da construção de uma nova entidade, é nosso papel, nossa tarefa, nosso desafio elaborar e criar sólidos argumentos para convencer nossos colegas. Não solidificar esse processo é rumar para o caudismo, estar na retaguarda da reorganização dos estudantes, não na vanguarda. É possível sonhar, ousar, lutar e vencer, mas precisamos criar e recriar os instrumentos para atingirmos nossos fins.
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