sábado, 4 de outubro de 2008

Os Nomes do Mesmo*

Em um mundo determinista, onde causas e efeitos se comportam clássica e tradicionalmente, com cada causa determinando seus respectivos efeitos e com todo e qualquer acontecimento tendo sido gerado por uma ou algumas causas, não sobra muito lugar para livre arbítrio e liberdade e liberdades passam a ocupar apenas um lugar ficcional no mundo inexistente do que poderia ter sido. Em um mundo determinista e complexo, onde o bater de asas de uma borboleta pode gerar, e portanto ser a causa de, estranhos acontecimentos, tudo o que parece fruto de alguma liberdade de escolha e/ou decisão já está, e sempre esteve, milimétrica e atomicamente pré-definido e certamente teve sua origem em algum primeiro motor ou big-bang ou mesmo, no sopro de um certo deus desengonçado e flaneur que no dia D, na hora H no minuto M e no segundo S teria dito: Danem-se todos, e fez-se o verbo e os substantivos e já não tínhamos escolha do que agora somos.

Claro que as ciências modernas com seus quanta e suas verdades essencialmente numéricas, podem rever essa idéia clássica e propor um cenário alucinadamente estocástico ou mesmo sensatamente possibilitante, com evoluções clássicas globais e localmente estatístico, onde variações do determinismo podem ser apreciadas e onde substituímos as engrenagens de Newton pelos dados viciados dos cientistas modernos... E tendo de escolher entre engrenagens e dados, ficaríamos mesmo com a literatura. Neste caso, ou melhor, nesse tipo de descrição de tudo, também não possuímos o famigerado livre arbítrio e nos vemos mais uma vez, escravos dos acontecimentos. Nada a fazer, senão surfar as ondas que nos mandam os ventos.

Nesses tempos modernos, o conceito de liberdade torna-se um jogo de ilusões onde se supõe que por entre uma gama de escolhas possíveis agiremos determinando futuros por meio de nossas atitudes, quando na verdade, inventamos diversos nomes para o mesmo, que será sempre o inexorável de nossas vicissitudes. Copo ou canudo, débito ou crédito, fumantes ou não fumantes, diet ou light, açúcar ou adoçante, o fantoche da direita ou o da esquerda, que escolhas são essas? Republicanos ou democratas, árabes ou judeus, Lula, Alquimim ou Heloisa, que opções de fato temos quando os nomes mudam e as mesmas substâncias continuam?

Ligo o rádio e nos reclames eleitorais a novidade é a velha e batida escolha do menos ruim. Merda por merda vote em mim. Nas telas o mesmo, nas ruas igual: Governo e oposição unidos pela preservação da democracia. O nome apenas, a marca da fantasia, a crença moderna. É da ilusão de liberdade que se alimenta a corrupção democrática. Mas é preciso votar, pense e vote, clamam pelos 7 cantos.

A democracia depende da escolha, entre os vários tipos de mesmos, que fizermos. Não anule seu voto, dizem, e lembram que de nada adiantará, pois os vencedores vencidos tomarão posse a qualquer custo e derrotarão, mais uma vez, e mais uma vez em nome da democracia, o povo. Não adiantará nada, é melhor cooperar, dizem hoje, como diziam durante o regime militar. Democracia, apenas um nome que deram ao continuísmo golpista que governa nossos países latino-americanos há décadas.

A democracia que mata crianças, aqui e no Líbano, que destrói continuamente o Iraque e aniquila os países da África, que secou suas mulheres com o leite em pó, em pó e democrático, posto que tudo o que é imposto pelas democracias que dominam desumanamente o mundo, torna-se necessariamente democrático, a democracia imposta pelo capital e que mata crianças repito, é essa a coisa escrotomorfa que devemos defender com os nossos votos. Vote em qualquer um dizem, do Chupacabra ao Belzebu, e afinal, ponderam, há bons candidatos e se e quando o povo souber escolher, continua e reformisticamente atingiremos o patamar civilizado onde as grandes potências se esbaldam e junto com elas, sambando, ainda teremos tempo de assistir aos escombros de nossas desesperanças.

Mas, não haveria um perdão para o tempo? Um modelo de mundo onde as verdades chamar-se-iam possibilidades e as vontades do um e do múltiplo comandassem os acontecimentos. Um modelo sem Deus mas com mistério, onde os determinismos determinassem apenas os determináveis e que, no jogo da vida o grito da sociedade construísse o livre arbítrio do povo e onde, os mortos que me perdoem, uma sociedade justa e socialista pudesse enfim ser demonstrada pela ação popular e não pela co-ação democrática que hoje nos domina.

Não haverá, em algum tempo perdoado, um universo paralelo, um outro ou o mesmo, onde a justiça social impere pelo exercício das liberdades, e não seria aqui, em um amanhã possível, e não teríamos começado por notar a farsa de uma democracia imposta pelas armas e pelo capital, e não teríamos começado aqui e agora, alardeando pelo planeta que aqui queremos liberdade com socialismo e votamos nulo porque não mais queremos os mesmos. E quanto mais, os mesmos disserem que não adianta, mais adiantará.
*Professor Ricardo Kubrusly (IM-UFRJ)
Texto publicado no Jornal da AdUFRJ às vésperas das eleições 2006

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