UNE é suspeita de fraudar convênios com Ministério da Cultura
Pelo menos nove acordos firmados com a entidade, no valor de R$ 2,9 milhões, estariam em situação irregular
Fonte: Leandro Colon, de O Estado de S.Paulo
Aliada do governo, a União Nacional dos Estudantes (UNE) fraudou convênios, forjou orçamentos e não prestou contas de recursos públicos recebidos nos últimos dois anos. A entidade chegou a apresentar documentos de uma empresa de segurança fantasma, com sede na Bahia, para conseguir aprovar um patrocínio para o encontro nacional em Brasília. Dados do Ministério da Cultura revelam que pelo menos nove convênios celebrados com a UNE, totalizando R$ 2,9 milhões, estão em situação irregular - a organização estudantil toma dinheiro público, mas não diz nem quanto gastou nem como gastou.
O Estado analisou dois convênios com prazo de prestação de contas expirado no ministério: o Congresso Nacional da UNE, realizado em julho, em Brasília, e o projeto Sempre Jovem e Sexagenária, celebrado em 2008, que tinha como meta produzir - até 4 de junho - 10 mil livros e um documentário sobre a história estudantil secundarista. O presidente da entidade, Augusto Chagas, de 27 anos, promete devolver o dinheiro, se forem comprovadas irregularidades.
Apesar de o governo ter repassado R$ 826 mil para os projetos, a entidade, mesmo cobrada, não entrega extratos bancários e notas fiscais, nem cumpre a “execução dos objetivos”, os livros e o documentário. Sobre os livros, uma cláusula do contrato diz que a UNE teria 60 dias para prestar contas, a partir de junho, ou restituir em 30 dias as verbas não usadas. Não fez nem uma coisa nem outra.
EMPRESA FANTASMA
A UNE forjou orçamentos para obter dinheiro para o encontro em Brasília. Em 16 de julho, o ministério liberou R$ 342 mil para o evento, que teve a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). A entidade apresentou estimativa de gasto de R$ 70 mil com hospedagem, R$ 29 mil para segurança, R$ 26 mil em passagens aéreas, entre outros. O ministério cobrou três orçamentos.
Para explicar a despesa com segurança, a UNE entregou o orçamento de empresa fantasma, com sede em Salvador, a 1.400 quilômetros do evento. O outro orçamento também é de uma empresa baiana, que ocupa uma sala de 30 metros quadrados e não tem funcionários.
A empresa fantasma é a Patorg Segurança. Os documentos entregues pela UNE ao governo mostram que a empresa declarou à Receita Federal como endereço o sexto andar de um prédio na Avenida Estados Unidos, em Salvador. A reportagem esteve ali na quinta-feira. No local não há empresa de segurança. Os vizinhos desconhecem a Patorg. “Eu trabalho aqui há 19 anos e nunca teve esse tipo de empresa”, disse o porteiro Valdir Alexandre dos Santos.
A UNE anexou um orçamento de R$ 36,4 mil da Patorg. Seu dono, Genovaldo Costa, é desconhecido no endereço, vive em Camaçari e não foi localizado.
A outra empresa, a MG Serviços de Limpeza e Portaria, ocupa uma sala num pequeno sobrado na Baixa dos Sapateiros. A UNE entregou um orçamento de R$ 32,2 mil da empresa, que não tem funcionário registrado, mas fez uma proposta de 280 seguranças, por R$ 115 a diária. O Estado foi três vezes ao endereço, mas não havia ninguém. Pelo celular, o dono, Marcos Guimarães dos Santos, disse que já prestou serviços à UNE, mas não deu detalhes.
Como a entidade não entrega a sua prestação de contas, ainda é um mistério a relação de quem foi contratado. Sabe-se, porém, que a UNE usou fantasmas para aprovar o convênio.
Os R$ 435 mil do Sempre Jovem e Sexagenária foram liberados em 5 de junho de 2008. A UNE apresentou orçamento de R$ 90 mil com pesquisa, R$ 50 mil para alimentação e hospedagem, e R$ 35 mil para imprimir o livro. O governo enviou ofício em 18 de junho passado lembrando que o convênio está encerrado e cobrou informações. Cinco meses depois, a UNE não deu satisfação.
Presidente da UNE nega má-fé por parte da entidade
Augusto Chagas nega má-fé por parte da entidade, que recebeu R$ 10 milhões durante o governo Lula
Fonte: Leandro Colon, de O Estado de S.Paulo
Eleito presidente da UNE no congresso nacional realizado em Brasília, Augusto Chagas, 27 anos, diz que não há má-fé por parte da entidade, que recebeu R$ 10 milhões durante os dois mandatos do governo Lula. “A UNE também tem seus problemas administrativos. É uma organização construída por jovens, tem uma série de problemas, limites na sua condição administrativa”, afirma.
Ele recebeu o Estado na sexta-feira e ontem na sede da UNE em São Paulo e admitiu que o documentário sobre a história da militância secundarista, previsto no projeto de R$ 435 mil, não foi produzido. “Não conseguimos executar no prazo devido”, alegou. Disse que parte da conta bancária está bloqueada por causa do fim do convênio. Embora seja em nome da UNE, o projeto, segundo Chagas, tem sido dirigido pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
Ffiliado ao PC doB, partido que comanda a UNE desde 1991, Chagas tenta pela primeira vez concluir um curso superior. Começou e não terminou um curso de computação e outro de direito. Hoje, está matriculado em Sistemas de Informação, na Universidade de São Paulo (USP), mas trancou matrícula por causa da presidência da UNE.
A UNE recebeu R$ 435 mil para fazer um livro e um documentário. E até agora não prestou contas...
Se o objeto não foi executado, o dinheiro está na conta. Não vejo nenhum problema.
Mas o contrato diz que a UNE deveria devolver o dinheiro em 30 dias.
Se os mecanismos públicos considerarem que a UNE usou indevidamente os recursos, ela vai ser obrigada a devolvê-los. A UNE também tem seus problemas administrativos. É uma organização construída por jovens, tem uma série de problemas, limites na sua condição administrativa. A entidade só é considerada culpada e obrigada a devolver recurso quando é executada. A UNE não foi acionada. Essas coisas acontecem, é complicado conveniar.
A UNE enviou ao Ministério da Cultura um relatório exaltando a participação do presidente Lula em seu congresso. Isso não é uma forma de tentar amenizar a falta de prestação de contas?
Não acho. Não existe interferência política em relação a prestação de contas. Existem prazos.
É normal apresentar orçamento com empresas fantasmas e de Salvador para evento em Brasília?
Aí é você quem está acusando. Vou ver qual o problema. Agora, sobre o orçamento ser de Salvador, isso é ilegal? É lícito, claro que é lícito. Não tem nada a ver com o dinheiro a ser executado depois. É o padrão que se estabelece para executar depois.
Mas o problema é que a UNE não presta contas.
Vai prestar no prazo devido.
Qual a relação da UNE com o governo Lula?
A UNE tem aproveitado o espaço que o presidente oferece, que é um espaço de diálogo.
A UNE é aliada do governo?
A UNE não é aliada. As conquistas obtidas são por causa das pautas que a gente apresenta.
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