sábado, 27 de março de 2010

Relatos dos ataques de cães no Fundão

Estudantes atacados por cães nos arredores do Alojamento da UFRJ/Fundão relatam o incidente, a peregrinação por socorro médico e a longa espera no atendimento:


Relato de Daniely Mara Carius, aluna de Biologia
“Eu estava caminhando em direção ao alojamento na terça-feira dia 23 de março as 17:30h. Quando ao atravessar o Largo Wanda de Oliveira avistei uma matilha de aproximadamente 10 cães que estava quieta e deitada no gramado. Entretanto quando começei a atravessar o gramado em direção ao alojamento, todos os cães começaram a latir muito, me cercaram e então começaram o ataque, pulando em mim, rasgando a minha calça, me arranhando e me mordendo. Nesse momento eu não tinha nenhuma possibilidade de fuga, tentava inutilmente me proteger com a minha bolsa. Começei a gritar desesperadamente por socorro, quando o homem que trabalha vendendo lanches no alojamento, veio com um pedaço pau e espantando os cachorros e eu finalmente consegui fugir.
“Após isso subi ao meu quarto pra lavar o ferimento superficialmente, e com a ajuda de uma amiga fui até a Ilha do Governador, mas os hospitais Paulino Wernek e Santa Madalena, não possuiam a vacina anti-rábica.
Nesse momento, a minha amiga pediu ajuda ao professor Mário (*) do departamento da Bioquímica médica do CCS, que foi fundamental no meu socorro e no socorro de mais duas vítimas, sem ele nós certamente não seríamos socorridas e tomariamos as vacinas a tempo. Pois ele me levou no seu próprio carro até a UPA 24h da Ilha do Governador, mas lá também não havia as vacinas e nos indicaram o hospital Lourenço Jorge na Barra da Tijuca.
“Ainda assim, o professor me levou até o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no qual também não havia as vacinas disponíveis, na emergencia do Hospital encontramos as outras duas vítimas, as alunas Márcia e Miriam, cujos os ferimentos estavam sendo limpos. O professor me levou até o Lourenço Jorge, onde finalmente eu consegui ser medicada com todas as vacinas necessárias às 23:00. Então o professor retornou até o HUCFF, buscou as outras duas vítimas e as levou também ao Lourenço Jorge para que pudessem ser atendidas. Finalmente conseguimos sair do hospital Lourenço Jorge as 2:30 da madrugada”.
(*)
Prof. Mário Alberto Cardoso da Silva Neto,
PhD; vice-diretor do Instituto de Bioquímica
Médica da UFRJ e membro da Comissão de
Biossegurança do CCS.


Relato de Ilca Maria Dias Souza, aluna de Serviço Social
“Estudante foi atacada em frente ao prédio do alojamento, no campo onde os alunos jogam futebol às 17:30 mais ou menos. Eu estava no hall do prédio e ao sair, avistei a moça com as pernas ensanguentadas e chorando (aguardava o carro da Diseg que foi chamado para levá-la ao H.U). Eu me ofereci para ir junto porque já havia passado por atendimento no HU e sabia que a unidade não possui emergência que ela teria alguma dificuldade, apesar de ser estudante da Instituição.
“Chegamos ao hospital por volta das 18h, o atendimento não foi imediato, ela ficou com as pernas a sangrar por mais ou menos 40 minutos no corredor, até que me inquietei e fui à médica perguntar o que aconteceria com a menina. A médica, Maria da Glória fez o primeiro atendimento e disse que precisaria da avaliação de um cirurgião. Nos disse que o hospital não possuía tratamento anti-rábico e que precisava limpar os ferimentos (que eram muitos e sangravam ininterruptamente). E disse, também que deveríamos ter ido a um hospital maior - eu interferi dizendo que estávamos no alojamento e não conhecíamos hospital maior que este, o UNIVERSITÁRIO. Disse, inclusive, que devíamos ligar para o Souza Aguiar e os outros hospitais de maior porte para confirmar se tinha o tratamento adequado para o caso da menina.
“Nesse momento, a médica se retirou e foi fazer anotações, sentada à nossa frente. Aguardamos mais uns 20 minutos e fui à enfermagem saber quem faria a limpeza. A profissional então pediu que a moça entrasse no banheiro e se lavasse, achei absurdo, pois era impossível que ela conseguisse alcançar os ferimentos (e com o pavor que a tomava, quem conseguiria?). Enfim, reclamamos e a enfermeira entrou no banheiro e a ajudou a lavar as pernas (a aluna chorava muito, parecia desnorteada).
“Ao sair de lá, aguardou mais uns 25 minutos para que tivesse avaliação do cirurgião. Aí foi que soubemos que o hospital não possuía, sequer, tratamento antitetânico. Aí já batia 20h, eu estava faminta, completamente abatida e com o rosto inchado de tanto chorar.
“Nesse instante, chegou uma outra aluna da UFRJ com ferimentos nos membros inferiores (também) que havia sido atacada no mesmo local que a anterior relatada. Eu já me encontrava fora do setor, fui para o lado externo e um estudante (morador do alojamento estudantil da Universidade) me contou o que houve com a aluna recém chegada. Foi atacada no mesmo
local pelos mesmos cães. Ele entrou para a emergência e fiquei lá fora a aguardar notícias. Ele me disse que havia pedido aos médicos, cópia do relatório de atendimento e, tendo sido negado, voltou para conversar comigo. Nisso, seguranças do hospital nos abordaram perguntando quem agrediu o médico lá dentro. Atônita eu disse o que estava sucedendo e mostrei-lhe as fotografias das pernas da aluna atacada pelos cães, expliquei-lhe o motivo do pedido de relatório. Necessitamos que a UFRJ retire os cães no campus ou acione o órgão responsável pelo controle de animais abandonados e que põem em risco a integridade de quem caminha por ali.
“O mais surpreendente foi uma ligação recebida lá dentro do hospital pela aluna acidentada. Um
professor da Bioquímica, vice-diretor e membro da comissão de biosegurança do CCS queria falar com os alunos atacados, pois tragicamente alguém de seu convívio havia sido também atacado naquela tarde e estava no Hospital Lourenço Jorge, na BARRA. O mesmo se ofereceu para buscar as estudantes e leválas à unidade na Zona Oeste, uma vez que ele sabia a carência do hospital universitário (em não possuir tratamento adequado à vítimas de ataques por cães).
“Seguimos para entrada principal do hospital, com as duas moças, para aguardá-lo. O professor as levou para o Hospital às 22:40”.


Relato de Márcia de Souza Paulino, aluna de Dança
"Ao perder o ônibus de 20:15, decidi ir a pé até o H.U. e ir ao banco retirar dinheiro para me alimentar. No que andei pela grama em frente ao alojamento, uma matilha de dez cães me atacou. Estava escuro, por isso não enxerguei a tocaia, só quando um cão branco com manchas marrons latiu avançando em mim, é que todos rosnaram ao meu redor. Tentei ser amigável com eles e retornar para o alojamento, mas um cão preto atacou-me por trás, dando uma mordida na parte posterior da coxa esquerda. Com isso decidi correr e gritar por socorro, e veio um motorista da Normandy me ajudar, espantando o cachorro que ía me dar outra mordida.
"O ponto em frente ao Alojamento estava cheio, pois a barraca do Flávio estava aberta e nesse momento tinha um carro da Diseg parado. Imediatamente me levaram para o H.U. onde fui atendida, mas não tinha vacina anti-rábica nem o soro. Um professor que estava acompanhando uma menina que tinha sido mordida pela mesma matilha antes de mim, conseguiu a informação de que havia a vacina e o soro no Hospital Lourenço Jorge que fica na Barra da Tijuca. Como o carro estava muito cheio ele levou primeiro a garota que estava com ele, depois voltou e levou eu e mais outra garota que estava sendo atendida pelo mesmo motivo.
"Chegando no Hospital Lourenço Jorge, fizeram de novo a limpeza dos ferimentos, aplicaram a vacina anti-rábica, e o soro, pois a anti-tétano já tinha sido aplicada no H.U.
Ficamos duas horas em observação acompanhadas pelo professor, depois ele nos trouxe para o alojamento".


Relato de Mirian Benetti, aluna de Ciências Sociais
"Na última terça-feira, dia 23 de março, aproximadamente 18 horas, estava caminhando em direçao ao alojamento da UFRJ, quando perto da BioRio, no momento em que passava pelo gramado, um cachorro dirigiu-se em minha direção latindo, e na seqüência, outros também o fizeram, tentei afastá-los com uma sacola de mercado que carregava comigo, mas tendo em vista que eram muitos e estavam bastante furiosos, não consegui e logo senti a primeira mordida na perna, não acreditei e comecei a gritar e tentar me desvincilhar dos mesmos, sem conseguir, haja vista que eram muitos e comecei a ser atacada por todos ao mesmo tempo, até que um rapaz que andava próximo, veio em meu socorro e espantou os cães.
"Fiquei atônita e sem reação e desesperada quando olhei para minhas pernas que sangravam muito e doiam, e só entao vi as mordidas. Prossegui até o Alojamento, com o rapaz que ajudou-me, uma aglomeração se formou em volta, não conseguia nem raciocinar e nem acreditar no que estava se passando, nisto encontrei a Ilca do Serviço Social, ligaram para a DISEG e fomos para o Hospital Universitário. Lá chegando, fizeram minha ficha e fui para o corredor esperar. Como fui direto desde o acontecimento para lá, não houve tempo para limpar o sangramento, e a medida que o tempo passava e ninguém me atendia, fiquei um pouco desesperada, pois as mordidas haviam sido profundas e deixavam a carne viva aparecendo, e a dor só aumentava.
"Passaram-se uns 40 minutos até que uma médica olhou meus ferimentos, e adiantou que precisaria procurar um cirurgião. Voltei a sentar no corredor, já sem forças para qualquer ação, nisto uma enfermeira veio pedir-me para eu ir me lavar, mas não tinha como fazer isso, as
mordidas foram na parte de trás das pernas, não consegui vizualizá-las e muito menos tinha forças para lavá-las, aí fui para uma sala com ela, no caminho ela me disse, que eu havia procurado o local errado para ser atendida, não respondi, tamanha desilusão com tudo que estava acontecendo, voltei novamente para o corredor e elas continuaram a sangrar muito. E, neste tempo que aguardava, sangrando e doendo e sem ser atendida, ainda, chegou mais uma menina, a Márcia da Dança, que também havia sido mordida.
"Somente às 20:20 é que um médico veio olhar para meus ferimentos, e aí me dirigiu para uma sala, onde explicou-me que não havia vacina anti-rábica, e que ele ia limpar os ferimentos e que não iriam ser feitos "pontos", pois as mordidas eram profundas e havia muito risco de infecção. Bom, desta parte só consigo lembrar a dor desumana que senti no momento em que ele aplicava anestesia para poder limpar os ferimentos.
Depois desta tortura imensa e necessária, ele receitoume antibióticos e tentou me informar os hospitais em que eu poderia tomar a vacina anti-rábica, mas como sou aluna de transferência externa da UFRGS, estava há apenas uma semana no Rio de Janeiro, não conheço a cidade ainda, muito menos os hospitais, e como já era tarde, fiquei angustiada e desabei em prantos, mais ainda, por estar sozinha e totalmente à mercê, não fosse a Ilca que se prontificou a ir comigo para o Hospital.
"Voltei para o corredor, encontrei a Márcia ainda esperando, tomei a vacina anti-tetânica, e nisto no hospital me chamaram para falar ao telefone com alguém que havia ligado, era um professor que já havia levado outras meninas para um hospital e informou-me que lá havia vacina anti-rábica, saí para fora, encontrei a Ilca e outro rapaz, o Thiago da Matemática, e esperamos a Márcia sair, nos dirigimos para frente do hospital para esperar o professor, que por volta das 23hs chegou e nos levou até o hospital Lourenço Jorge e lá encontramos a Daniely da Biologia, fomos atendidas no setor de suturas, troquei novamente os curativos, mais dor ainda, enfim, às 00:40 tomei a vacina anti-rábica e o soro e foi necessário esperar mais duas horas para ver se teria reação ou não.
"Enfim, eram mais de 3 da manhã quando retornei ao alojamento, exausta, atônita e desgastada".


Diante disso, perguntamos: como está o comprometimento da Universidade com a assistência estudantil?

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