"A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é na verdade regra geral. Precisamos construir um conceito de historia que corresponda a essa verdade Nesse momento percebemos que a nossa tarefa é criar um verdadeiro estado de emergência."
Walter Benjamin
A cena brutal, do pai desesperado na porta do hospital chorando a morte do seu filho assassinado pela polícia militar do Rio de Janeiro horrorizou a todos nós na última segunda feira dia 7 de julho. Conjuntamente com esse horror nos acompanhou uma ultrajante sensação de impotência. Essa sensação de impotência é causada pelo fato de que tragédias como essa se sucedem indiscriminadamente nas capitais de nosso país e com uma regularidade absurda no Rio de Janeiro. Tragicamente, percebemos que a constatação de Walter Benjamin feita sob a influência do significado do horror e das atrocidades que o princípio do nazismo anunciava se aplicam à nossa situação de vida. Estamos nos acostumando a lidar com a barbárie como algo natural. Nos dias precedentes, o Exército do Rio havia seqüestrado jovens para serem torturados e mortos; um policial havia assassinado um jovem na porta de uma boate em Ipanema; e a polícia havia matado mais uma criança em uma favela do Rio de Janeiro. Quatro assassinatos cometidos pelas forças de segurança do estado de maneira direta ou indireta. Cada um deles produz um choque momentâneo. E logo em seguida, ao ser substituído pelo próximo, é esquecido ou transformado em estatística. Deixam de representar fatos absurdos e se tornam, como na afirmação de Benjamin, “regra geral”. Se pararmos para refletir sobre o fenômeno, talvez possamos começar a compreender a sensação de impotência que assola a todos nós ao defrontarmo-nos com o último assassinato. A sensação de terror, revolta e indignação, à convicção de que fatos como esse são totalmente incompatíveis com uma vida minimamente digna, se fundem com a lembrança de todos os casos anteriores e a lembranças nauseantes de que depois deles nada aconteceu. Os culpados não foram punidos. A mídia fez um estardalhaço inicial igual a este e depois passou a tratar o assunto com insignificantes notas burocráticas e “imparciais”. As autoridades, cinicamente, trataram o caso como uma exceção resultante de um erro ou desvio de conduta individual. É como se, ao nos defrontarmos com o último absurdo, nos depararemos também como todos os anteriores. É como se a sensação de horror e indignação já viesse junto com a certeza de que o fato se repetirá. Que não trará nenhuma conseqüência ou solução. O que se depreende daí, pois, é a aterradora constatação: vivemos numa sociedade em que o fuzilamento de uma família pelas forças de segurança do Estado e o assassinato de um dos seus filhos é regra. Faz parte do jogo. Não determina nenhuma modificação nos fatores que determinaram o acontecimento. José Mario Beltrame, Sergio Cabral e Lula fingem que não têm nada a ver com isso. Que não têm nenhuma responsabilidade com a corrupção que impera no aparato de segurança do Estado, com a orientação de atuar em regiões urbanas como numa zona de guerra, de atacar civis como se fossem inimigos de guerra. Cada um de nós, quando nos conformamos com essa situação, quando reagimos com uma mistura de estupefação e impotência, somos coniventes com a atitude cínica das autoridades. Aceitamos como inevitável. Que tipo de dignidade pessoal podemos manter quando a nossa indignação já se transformou em passividade? Damos graças a Deus que não foi o nosso filho que a polícia assassinou (por enquanto), assistimos às notícias sobre esporte que se seguem; depois, à novela; e no outro dia voltamos ao nosso cotidiano como se nada houvesse acontecido. Evitamos até mesmo falar demais no assunto em casa, no trabalho ou em nossos espaços de convivência, porque já nos degradamos a ponto de aceitarmos que a única conseqüência de atentarmos para a tragédia de nosso semelhante é a reafirmação de nossa passividade? Somos então como o gado que segue em fila para o abatedouro, ao qual só resta o paliativo de que existe outro na fila na nossa frente e que outros já foram abatidos antes de nós.
Walter Benjamin
A cena brutal, do pai desesperado na porta do hospital chorando a morte do seu filho assassinado pela polícia militar do Rio de Janeiro horrorizou a todos nós na última segunda feira dia 7 de julho. Conjuntamente com esse horror nos acompanhou uma ultrajante sensação de impotência. Essa sensação de impotência é causada pelo fato de que tragédias como essa se sucedem indiscriminadamente nas capitais de nosso país e com uma regularidade absurda no Rio de Janeiro. Tragicamente, percebemos que a constatação de Walter Benjamin feita sob a influência do significado do horror e das atrocidades que o princípio do nazismo anunciava se aplicam à nossa situação de vida. Estamos nos acostumando a lidar com a barbárie como algo natural. Nos dias precedentes, o Exército do Rio havia seqüestrado jovens para serem torturados e mortos; um policial havia assassinado um jovem na porta de uma boate em Ipanema; e a polícia havia matado mais uma criança em uma favela do Rio de Janeiro. Quatro assassinatos cometidos pelas forças de segurança do estado de maneira direta ou indireta. Cada um deles produz um choque momentâneo. E logo em seguida, ao ser substituído pelo próximo, é esquecido ou transformado em estatística. Deixam de representar fatos absurdos e se tornam, como na afirmação de Benjamin, “regra geral”. Se pararmos para refletir sobre o fenômeno, talvez possamos começar a compreender a sensação de impotência que assola a todos nós ao defrontarmo-nos com o último assassinato. A sensação de terror, revolta e indignação, à convicção de que fatos como esse são totalmente incompatíveis com uma vida minimamente digna, se fundem com a lembrança de todos os casos anteriores e a lembranças nauseantes de que depois deles nada aconteceu. Os culpados não foram punidos. A mídia fez um estardalhaço inicial igual a este e depois passou a tratar o assunto com insignificantes notas burocráticas e “imparciais”. As autoridades, cinicamente, trataram o caso como uma exceção resultante de um erro ou desvio de conduta individual. É como se, ao nos defrontarmos com o último absurdo, nos depararemos também como todos os anteriores. É como se a sensação de horror e indignação já viesse junto com a certeza de que o fato se repetirá. Que não trará nenhuma conseqüência ou solução. O que se depreende daí, pois, é a aterradora constatação: vivemos numa sociedade em que o fuzilamento de uma família pelas forças de segurança do Estado e o assassinato de um dos seus filhos é regra. Faz parte do jogo. Não determina nenhuma modificação nos fatores que determinaram o acontecimento. José Mario Beltrame, Sergio Cabral e Lula fingem que não têm nada a ver com isso. Que não têm nenhuma responsabilidade com a corrupção que impera no aparato de segurança do Estado, com a orientação de atuar em regiões urbanas como numa zona de guerra, de atacar civis como se fossem inimigos de guerra. Cada um de nós, quando nos conformamos com essa situação, quando reagimos com uma mistura de estupefação e impotência, somos coniventes com a atitude cínica das autoridades. Aceitamos como inevitável. Que tipo de dignidade pessoal podemos manter quando a nossa indignação já se transformou em passividade? Damos graças a Deus que não foi o nosso filho que a polícia assassinou (por enquanto), assistimos às notícias sobre esporte que se seguem; depois, à novela; e no outro dia voltamos ao nosso cotidiano como se nada houvesse acontecido. Evitamos até mesmo falar demais no assunto em casa, no trabalho ou em nossos espaços de convivência, porque já nos degradamos a ponto de aceitarmos que a única conseqüência de atentarmos para a tragédia de nosso semelhante é a reafirmação de nossa passividade? Somos então como o gado que segue em fila para o abatedouro, ao qual só resta o paliativo de que existe outro na fila na nossa frente e que outros já foram abatidos antes de nós.
Ao cinismo das autoridades se somam outros. Dos discursos especializados. Não é absurdo que a cada barbárie que se repete juristas e representantes do poder legislativo venham querer roubar nosso direito à indignação? Ao invés de se envergonhar perante a alienação dos poderes legislativo e judiciário em relação às necessidades elementares dos indivíduos, com ar de gravidade doutoral nos tratam como crianças ingênuas por acharmos que crimes bárbaros de execução cometidos por forças que supostamente existem para proteger os indivíduos são algo que não merece punição rigorosa. Usam, assim, todas suas terminologias para apresentar como inevitável que o Estado orientado por uma política neoliberal de restrição dos direitos mais elementares dos indivíduos atualmente despreze flagrantemente o mais elementar de todos os direitos: o direito à vida! A ausência total de políticas públicas de saúde, moradia, educação, a atuação de forças de segurança como verdadeiras tropas de extermínio e a incapacidade dos poderes judiciário e legislativo para punir responsáveis por crimes hediondos (tanto os cometidos por agentes das forças de segurança como os cometidos por criminosos comuns) faz parte de uma mesma lógica. Mas os representantes desses poderes preferem se esconder atrás de terminologias , ritos, saberes especializados, leis burocratizadas para prosseguirem com seu corporativismo que vitima milhares de brasileiros, sendo o último o menino João Roberto Amorim.
A impunidade que impera no nosso país transformou uma série de prerrogativas que supostamente existem para defender os direitos dos indivíduos em entraves que impedem que responsáveis por crimes hediondos sejam punidos. Os responsáveis respondem ao processo em liberdade, são beneficiados por habeas corpus intermináveis, o processo demora anos e anos a fio para transcorrer, e, quando termina, caso o culpado receba uma pena superior a 20 anos... É anulado! Além disso, caso o homicídio não seja considerado doloso e hediondo (no caso do menino João Roberto Amorim já não foi considerado já que quando o executaram os policiais “acharam que estavam atirando em bandidos e logo não tiveram a intenção de executá-lo”) os assassinos têm direito a cumprir um terço da pena em “liberdade”. Resultado? Na melhor das hipóteses, assassinos como os do menino João Roberto, do jovem Daniel Duque, dos jovens do morro da Providência, da menina Isabela Nardoni e tantos outros ficam cerca de 10 anos presos. Se o resultado é esse, a mensagem que o Estado passa atualmente no Brasil é estupefante. Assassinato não é coisa grave. É quase permitido. E, por fim, o discurso cínico especializado apresenta como inexorável, como lei da natureza, que as “leis do mercado” exijam a ausência total de políticas públicas de Estado, o que, como sabemos, aumenta significativamente a criminalidade. E, como conseqüência disso, autoridades podem orientar a polícia e o exército a exterminar a população civil. Não há punição para eles. Eles cinicamente dizem que a responsabilidade é exclusivamente do agente de segurança que cometeu o assassinato, que foi um acidente.
É essa situação absurda, esse estado de exceção, que atualmente as autoridades dos poderes judiciário, legislativo e executivo querem com seu suposto saber especializado nos obrigar a aceitar como regra geral Qual diferença entre isso e os momentos mais bárbaros da historia da humanidade, como por exemplo o nazismo? Querem nos reduzir à passividade, por serem eles os donos de conhecimentos que nós supostamente ignoramos. Novamente absurda lógica. Ao invés do conhecimento ser uma possibilidade de concretização dos anseios dos indivíduos (direitos sociais básicos, dentre eles o elementar direito à vida), se torna à suposta comprovação inexorável de que estes direitos não devem ser ansiados e que os indivíduos “não especializados” devem aceitar isso passivamente por não possuírem doutorado em segurança pública ou em economia, por não serem deputados nem juristas nem autoridades do poder executivo. Aqui cabe denunciar explicitamente duas posições que aparentemente se opõem, mas que na verdade são faces da mesma moeda e expressão da atitude de cercear o direito à indignação dos indivíduos brasileiros que trabalham honestamente e pagam seus impostos: a posição da direita, que busca entender casos de assassinato como pura conseqüência de atos isolados cometidos por indivíduos desequilibrados ou degenerados e que acha que a única coisa a ser feita é aumento da repressão; e a da pseudo-esquerda, atualmente elevada a governo federal, de que o fato de existirem determinantes sociais influenciando a escalada de crimes absurdos seja desculpa para a não punição efetiva daqueles que os realizam. Ausência de punição essa, aliás, determinada pela inércia e corporativismo dos poderes legislativo e judiciário, incapazes de construir um código penal que garanta o direito à vida e que julgue processos com o mínimo de agilidade sem se alienar em tramitações e ritos que só servem para distanciá-lo de sua função de origem, ou seja, expressar e realizar a necessidade de justiça da sociedade. O que os argumentos cínicos da direita e da pseudo-esquerda palaciana fingem ignorar é que toda ação realizada por indivíduos que vivem numa determinada sociedade é, ao mesmo tempo determinada pelas condições vigentes nessa sociedade, e uma resposta e intervenção sobre essa (para reproduzi-las ou rejeitá-las). Fica claro, assim, que o argumento da direita de que a responsabilidade por crimes é puramente individual e que a única solução para os mesmos é aumento indiscriminado da repressão (que aliás gera novos assassinatos como o do menino João Roberto) só serve para isentar as autoridades, e os rumos das políticas públicas de suas conseqüências e responsabilidades implicações. E que o argumento da pseudo-esquerda de que o clamor dos indivíduos honestos por justiça, por penas mais duras para assassinos, por reforma do código penal, por agilidade e eficiência do poder jurídico (com a necessária contratação de novos profissionais) é algo "conservador", nada mais é do que um véu de fumaça para encobrir que ela, a pseudo-esquerda, é promotora da desestruturação do Estado e de suas funções mais básicas levando o mesmo a um encastelamento burocrático que faz com que o mesmo não consiga hoje sequer garantir o direito mais básico dos indivíduos honestos, ou seja, o direito à vida.
Para concluir, é importante explicitar que nos atermos a todas essas condicionantes e a relação entre impunidade, ausência de políticas públicas, alienação do estado e cinismo das autoridades não pode nos conduzir de novo à passividade. Não podemos reproduzir o discurso “cínico especializado”, segundo o qual “a questão é muito complexa, então é melhor aceitarmos que não há nada a ser feito”. Pelo contrário. A motivação dessa reflexão é a solidariedade com a dor da família do menino João Roberto. Seu propósito é afirmar veementemente que tal tragédia não pode ser em vão. Que não pode ser tratada como simples fatalidade. Que precisa ter conseqüências sérias. E que ignorar tais conseqüências, que se manter passivo frente a elas, que dizer que não há nada a ser feito, é ser conivente com a escalada da sociedade brasileira rumo à barbárie. Tendo a clareza que a solução do problema exige medidas profundas e de longo prazo, temos que manter o sentido de EMERGÊNCIA e clamarmos por uma ampla mobilização de indivíduos e entidades da sociedade de civil a exigirem intransigente e imediatamente:
-Fim da política de segurança que orienta os aparatos de segurança a atuarem em regime de guerra. Responsabilização das autoridades do poder executivo pelas ações do aparato de segurança Mecanismos de controle social para que os cidadãos e a sociedade civil possam regular a ação da polícia e do Exército.
-Reforma penal e dos processos jurídicos capazes de responderem aos anseios de justiça da sociedade, impondo penas rigorosas e julgamentos ágeis e rápidos a crimes graves e hediondos;
-Políticas sociais efetivas de saúde; educação; moradia e distribuição de renda no Brasil.
*Carlos Alberto Leal
Estudante de Comunicação Social da UFRJ
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