Comemorar os vinte e quatro anos de idade sempre passa pelas criativas piadas por conta da associação ao Jogo do Bicho. Vinte e quatro horas: o tempo para a Terra girar em torno de si mesma, que a cada dia parece ser mais exíguo para o cumprimento de nossas tarefas. Num estado de coisas que nos pressiona e nos exige constantemente, explorados e oprimidos não conseguem nem poderiam atingir as façanhas e proezas de um Jack Bauer dentro de mil quatrocentos e quarenta minutos. Números e mais números definem medidas, prazos, datas, salários e lucros, sobrepondo-se aos nossos desejos, às nossas reais demandas e necessidades.
“Os números mostram, dizem, informam, confirmam...”, esbravejam pelos cantos. Mas também são manipuláveis e escorregadios. Alguém os controla? Os decide? Os apropria? O curso corriqueiro de nossos dias mesquinhos e abençoados nos impede de perceber as ordens ditadas e as causas de óbvias conseqüências cada vez mais drásticas para o conjunto da humanidade. São absurdos extras e expressos por todo o globo que podemos ler em meia hora de um dia em um simples jornal do Brasil. E de tão absurdas tais conseqüências, a ira e a raiva aparecem para nos conformar ou rezar e torcer para que não aconteça algo conosco ou com alguém próximo. Nossos olhos e ouvidos não enxergam muito menos ouvem sobre as causas de tantas mortes, de tantas guerras, de tanta violência, de tanta miséria e caem num sono de pesadelos, preocupações e preparo para mais alguns números de horas e minutos de uma rotina que nos aliena e nos coisifica, logo após uma célere saudação de boa noite ou uma aventura fantasiosa por um caminho das índias.
Milhares, milhões, bilhões, trilhões fazem parte de contas bancárias e lucros exorbitantes de poucos. Enquanto tudo isso é escamoteado por recordes, cestas e gols que balançam redes na busca por títulos cujas taças, troféus, prêmios e glórias serão hegemonizados por ínfimos nomes, aterrissemos na realidade concreta: percentual de desempregados cada vez maior garante a necessária reserva de mercado para baixar o valor da força de trabalho do homem enquanto mercadoria; filas quilométricas de homens, mulheres, jovens e até mesmo crianças na busca por um emprego que garanta com dignidade uma sobrevivência às suas famílias; nas ruas, praças e portas de milionários bancos, seres humanos contabilizam horas e dias sem uma refeição ou um mero copo d’água tratada; idosos que poderiam usufruir de sua aposentadoria, repousar e cuidar dos filhos e netos varrem e limpam chãos onde pisaremos para comprar nossos fast food; crianças e jovens em lavouras, no tráfico ou na prostituição em busca de algumas moedas que possam trocar por comida.
Os Engenheiros já perguntaram “o que fazer com esses números”. Interpretá-los, lê-los, conhecê-los? Não basta! Ficarmos chateados, melancólicos, inconformados? É pouco! Urge que forneçamos novas formas a essa engrenagem que se pauta pela exploração, opressão, concorrência e lutas cuja lógica de funcionamento é essencialmente desigual e cruel. Não queiramos apenas questionar quanto valem as nossas vidas, mas busquemos ampliar esse leque e lutar para mudá-las, consolidando sonhos e construindo um projeto onde os números estejam sob nossa tutela, contemplando as necessidades e possibilitando o livre desenvolvimento de cada um dos membros e da sociedade como um todo.
Que presentes, comemorações, felicitações, abraços e beijos não dependam de datas ou números frutos do modelo do consumo capitalista, mas sejam conseqüências de uma nova ordem social, onde deveres e direitos sejam igualmente divididos. “Feliz Aniversário” só poderemos significativamente comemorar quando ao nosso redor não mais houver fome, miséria, desigualdade e exploração.
*Gabriel Rodrigues Daumas Marques
Professor de Educação Física, Mestrando em Educação (UFRJ) e militante do Coletivo Marxista
30/05/2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário